sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

domingo, 28 de novembro de 2010

Confesso que vivi. O Nerruda está assim, na cabeceira da minha cama, contando um pouco das suas histórias por dia, tirando o meu sono, me ninando, me embalando, me desafiando. Confessando-me que viveu. E hoje cá estou eu. Entre o Nerruda e o Tchéckhov, tentando construir uma cena. Um decisão. Uma vida. Entre a Irina, e a mulher dos olhos verdes. A duas semanas de uma estreia, da estreia de um projeto que me encanta, me instiga, me move e me apaixona a cada ensaio, a cada segunda e quarta feira.
O sol lá fora e eu aqui, vivendo nas paredes do meu quarto. Deitando na cama, escrevendo no computador. Porque amanha é segunda e vida bate na porta. A vida não, a sobrevida. E eu tenho vivido na dúvida. Mas por mais bizarro que pareça tenho descobrido muitas coisas. Porque depois das responsabilidades, que dificultam a vida, eu descobri um sabor especial em cada vitória e conquista. Cada passo que eu acerto é meu, só meu. A alegria vem em dobro me arrastar e me virar de ponta cabeça.

Agora eu acenderia um cigarro, se por acaso eu fumasse.

sábado, 13 de novembro de 2010






Partitura Corporal livremente inspirada em "Os olhos verdes da neurose", de José Expedito Marques.

Direção Fernanda Moreno
Com Natasha Curuci
Apresentação no 2º Sarau do Pi.
quero talco, cheiro palco.

e só;

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Espelho

Sentou-se na platéia e queria de qualquer maneira lembrar-se da história da peça. Vinham-lhe outros Nelsons Rodrigues: as mulheres, as fugas, os filhos, as botinas, a insônia e a náusea. Mas os afogados faltavam-lhe. Mesmo que já houvesse lido, não se lembrava nem mesmo quem era a senhora dos afogados. Abandonou-se então como espectadora. E pode.

Simplesmente espectadora de teatro. Quando mais podia respirá-lo. Respirava teatro e vida. E pedia licença a todos os clichês. Porque assim era. E, claro aos fragmentos da pós-modernidade. E teve um súbito medo de esquecer as descobertas que eram suas. Quis agarrá-las com todas as suas forças. Quis escrever. Esquecer-se de todo o resto.

O teatro estava tão cheio que sentiu-se invadida. Egoísta, não tinha vontade de compartilhar a dita experiência estética com tanta gente. Bem como as suas lágrimas. Porque não podiam deixá-la sozinha? O palco centralizava as histórias reais e ficcionais. E não havia mais real e ficcional. Havia uma sensação física. Uma dor. E lágrimas.

Não podiam poupá-la de ser sozinha. Por que então tentavam tirar-lhe aquele direito? Por um instante pudera olhar no espelho, sozinha. Sozinha entre quatro paredes brancas. Escondeu-se no canto. Procurando por si. Uma lágrima refez o desenho do seu rosto. E seu rosto parecia disforme. E era tão puro.

E a menina da cena não mais podia olhar o seu rosto no espelho. Tantas faces diante do espelho. Tantas perguntas diante dessa face. Face que é página em branco. Passou a mão no rosto para concretizar algumas linhas. As falas da peça e pessoas a sua volta perguntando-lhe por lhe caíra uma lágrima. E seguraram aquela lágrima. Não a deixaram terminar de escorrer.

Releu o texto que escrevia. Juntava o teatro e a vida e as suas histórias e verdades. Os tais jogos cênicos. As tais ações, e escreveu. Transformava a sua respiração em narrativa. Quis ainda falar do outro, depois de discorrer sobre si, e não pode. O outro era algo tão puro que resumia-se apenas em um abraço. E em um olhar que ainda queria guardar.

AMOR

foram poucas palavras. silencio de quem ja nao tem nada a dizer. e sabe que esse silencio e esse nada a dizer vieram de tantas coisas que quase foram ditas, que quase foram vividas. quase confidentes pelo passado. sem mais tremores e temores. nao houve frio na barriga. nem mesmo vontade de estar. nem tristeza melancolica. ele foi. mas nao e mais. e e so.

um ano. enveredara-se pelos caminhos da realidade. por um instante ainda quis lhe dizer obrigada. mas nao o encontrou em sua imagem. sobrava-lhe uma lembranca irreal, carregada de sentido e de amor.

era puro ato de amor. amor por nao ser mais, tendo ja sido demais. amor por saber que ficara, mesmo agora indo embora. mas amor. e era no adeus que podia entender essa palavra. vontade de sorrir. amor amor amor.

passagens por um ponto de onibus. partidas. atravessou a rua. e nem mesmo olhou para tras.

Pronominal

Com teu nome quis inventar uma história, quis descobrir, ser e te ter. Com teu nome eu quis gritar teu nome, quis ouvir o meu. Com meu nome eu tentei ser alguém e tentei não ser. Ser, conhecer o mundo, a verdade. Cheguei à conclusão que verdade não existe. Descobri a verdade. Vivi.


Vivi e não sei o significado disso. Mas vivo disso: vivo de ter vivido e de viver. Tentei trazer teu nome a isso. Vivi de teu nome e para teu nome, para teus olhos.


Pensamentos fragmentados. Como linhas cortadas, interrompidas. Quis dizer mil coisas, disse absolutamente nada. Ou absolutamente nada, disse mil coisas. Talvez teu nome não entenda nada disso. Sim. Ou não.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pelo lado piegas que há em mim...

O relógio da estação denunciava: 18h15. Era cedo. O tal relógio denunciava que era cedo. No trem, o seu silêncio lhe dizia: aula, dança... falta de ânimo. E, talvez até por ironia, ela ia de costas no trem. De costas e sempre prestando atenção nas estações que se seguiam (para frente). Um menino coçava o nariz, ali do lado uma moça lia o jornal, do outro uma senhora tricotava. Alguém falava feliz com o filho pelo celular. E ela? Ela ia de costas no trem. E escrevia.

Escrevia e pensava. Quase torturava-se. Desanimava-se. Como faria para seguir aquilo que era (para ela) o ideal de uma professora? Pensava na dificuldade. Ou melhor, nas dificuldades. A instituição escolar, a instituição educação. E a sua dificuldade, ela.

Estação São Caetano. "Faltam poucas estações". E muitas as palavras ainda a serem escritas. Desânimo novamente. Mas... Riu-se. E aqui, pediu desculpas e permissão para ser piegas. Mesmo com a vontade de desistir, algo dentro dela pulsava. Não sabia ao certo se potência ou crença. Talvez uma mistura destas. A idéia da troca de experiências em uma sala de aula ainda pulsava dentro dela.

E pediu novamente licença, dessa vez para escrever em primeira pessoa. Porque eu não sei ao certo o que eu quero dizer ao mundo, mas sei que o encontro, a experiência e a troca ainda me seduzem e instigam. Ou melhor, pulsam. Tanto na educação quanto no teatro.

"E riu-se novamente por achar que tinha sido piegas"

domingo, 10 de outubro de 2010

Novo domingo. De novo, domingo? Porque insiste em me visitar, em me virar e revirar? Deve ter sido em um domingo que uma vez escrevi no orkut que também era feita de despedidas. Acho que o domingo também tem um quê de despedida.

domingo, 1 de agosto de 2010

Feliz aniversário

Se lembrou repentinamente de duas falas. A primeira que tinha ouvido de um médico (que tinha mais de monstro que de médico) aos seus oito anos. A segunda que tinha dito em um de seus momentos de desespero aos 11 anos. Haviam lhe dito que podia ter um enfarto aos 22 anos e morrer. E havia se dito que se vivesse até os 22 anos, viveria o dobro do que vivera até o momento.
Era um dia após ter feito 23 anos. E ela continuava lá, com o reumatismo (causa da visita ao médico) cada vez menor. Ela estava lá, graduada, empregada, formada, com registro profissional na carteira, diploma universitário, CPF, título de eleitor, declarando o IR (nesse ano pela primeira vez). E mais, ela estava lá, concursada. Sim, funcionária pública, com direito a carteira assinada, vale transporte, vale refeição e FGTS.
Por ironia talvez ela tinha as duas garantias mais almejadas: o funcionalismo público e a carteira assinada no mesmo emprego. Por ironia ou por uma mudança na política de contratação de servidores estatais. Não importa. O fato é que tinha. E era verdade também que era empregada, funcionária pública de carteira assinada na mesma universidade pela qual era graduada, licenciada e possuidora de um diploma universitário cuidadosamente guardado em um envolope.
Invejada e almejada, a menina contava com um salário fixo todo o mês e mais alguns bônus, provenientes a alguns destes títulos anteriormente citados. Mas talvez a ironia se escondesse por aí. Porque ela insistia em achar irônico. Profissionalizada pela Universidade para trabalhar com gente, profissional da Univerdade para trabalhar com números. Formada na Universidade para criar, formatada na Universidade para repetir.
De novo repentinamente, se lembrou da promessa que se fez aos 11 anos. Dar um jeito de prolongar a sua vida, quando fizesse 22, até os 44, depois até os 88, e até mais, porque ela queria viver bastante. E com 23 anos e um nó na garganta, pensou que ela tinha sim morrido um pouco. Morrido porque ela não queria ser concursada, empregada e declaradora de IR. Ela queria ser mais. Tinha até os 22 anos, vivido para alimentar e viver de suas paixões.
Mas tinha se prometido que ia prolongar a vida, multiplicá-la por 2, por 2 e por mais, porque ela queria viver bastante. Nunca lhe tinha ocorrido sobreviver bastante. Sobre viver... Viver apaixonada. Brega? Pode ser. Ela até concordava que era radical. Mas ela queria transbordar, seus títulos, seu emprego, sua espera pelo fim de semana, sua falta de prazer das oito as cinco. Relembrou um de seus antigos textos: tinha que brincar de inventar novos futuros. Não, tinha que brincar de inventar novos presentes.

É, feliz aniversário...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sobre as eternidades

Ando pensando sobre os relacionamentos. Tentando entendê-los, compreendê-los. Talvez devesse sentí-los. Talvez seja por setí-los demais. Durante toda a minha adolescência eu esperei por um namorado, procurei um conto de fadas no tom dos amores e paixões. O que talvez eu não percebia era que eu vivia um conto de fadas com relação à amizade. Pessoas que foram essenciais para a minha formação como pessoa. E naquela época eu acreditava que os amores até podiam não ser eternos, mas os amigos eram.
O dia do amigo era o meu melhor dia do ano, dia de longas cartinhas. Este ano, no dia do amigo eu li um post interessante por algum lugar da internet. Haviam dois tipos de amigos, o fita cassete, que quando vc ouve parace que nada mudou e que o tempo não passou e aquele que marca um dado momento da sua vida. As pessoas costumam julgar mal esse tipo de amigo. Costumam dizer que amizade verdadeira é para o resto da vida e que se for apenas de um momento, foi um passatempo.
Eu discordo. Tenho amizades infinitas, cúmplices de um dia da minha vida. Pessoas que eu julguei eternas e presentes para sempre, que se afastaram do meu caminho. Que foram cúmplices indispensáveis, inseparáveis. E que já por isso foram belíssimas. Mas que hoje não dividem mais as mesmas risadas, as mesmas compreensões, o mesmo silêncio de significados. E por isso eu já chorei, já tentei ser quem não era. Me desesperei, me perdi. E hoje compreendo a beleza de nos deixarmos ir. Talvez assim, devagarinho, como um perfume que se desapega da pele. Porque eterno não é o que dura pra sempre. Eterno é o que me marca para sempre.
Esquecê-los jamais. Porque são eternos demais.

2010

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Presente, presente, presente - ou Abraço

Corda. Ela pulava: presente, presente, presente. Cada vez que seus pés encontavam o chão. E na sua cabeca as palavras ressoavam: passado, passado, passado. Toda a vez que os seus pés deixavam o chao.

Calava-se porque nao sabia o que dizer. Ria-se. E por um instante acreditou que poderia ser feliz. Que poderia ser para sempre.

Olhou pela ultima vez aquele abraco. Última? Maldisse a efemeridade. Sera que aquele instante bastaria?

(2007)

um antigo que virou #MDRAMA

A menina subia para dormir. O menino gritou o seu nome. Ela virou-se.

Ele - Boa noite!

Ela sorriu

(2007)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

As águas do mar - Clarice Lispector

O mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões. Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra. São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é um mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar. Seu corpo se consola com sua própria exigüidade em relação à vastidão do mar porque é a exigüidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exigüidade que a torna pobre e livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo, mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal – a alegria é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta, mesmo sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda – e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que oposição pode ser um pedido. O caminho lento aumenta sua coragem secreta. E de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo – espantada de pé, fertilizada. Agora o frio se transforma em frígido. Avançando ela abre o mar pelo meio. Já não precisa da coragem, agora, já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol, quase imediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias de água, bebe em goles grandes, bons. E era isso que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora ela está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe pelo sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo sol, as ondas suaves lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto. Mergulha de novo, de novo bebe, mais água, agora sem sofreguidão pois não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, e ela mergulha de novo; está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica, pois.Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação. Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas – ah nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas – mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe opõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera. E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.

(porque às vezes precisamos do outro e das palavras do outro)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Um começo

O espelho. Quantos contos e historias comecam com uma mulher que se olha no espelho e tenta reconhcer a sua face? Talvez muitos, mas olhava no espelho e nao se importava com o comeco dos romances. Engracado como as coisas que aconteciam parece que vinham so para caracterizar a heroina do romance. Talvez estivesse mais para anti-heroina. Olhava no espelho, apenas.

A mao no rosto. Cabelos presos, embaracados. Pela primeira vez nao tentava achar-se num rosto que nao parecia o seu. O contrario. Tentava procurar o que estava diferente. Porque sabia que tinha algo diferente. Sabia que seus olhos nao eram os mesmos, apesar de insistirem em repetir o mesmo castanho de sempre, as vezes um pouco esverdeados.

Por que descrevera-se mulher e nao menina? Por que as suas maos eram outras? Ah! a tempestade.

2007
Uma garoa fina. Ah! Como esperava uma tempestade! O espelho não mais estava embaçado. Mas ela revisitava antigos sentidos. Ria-se. Fragmentos. Pós-moderno, pós-dramático, pós unidade de ação, pós ação. Restava apenas uma catarse epifânica. A energia potencial pulsava. Ah! Como desejava uma tempestade! Revisitava antigos sentidos. Coisas lhe voltavam como lembranças - novamente Pirandello – lembranças que nem pareciam suas. Ainda tentava relacionar-se com as palavras. E talvez com as ações. Revisitava antigos sentidos, mas seus olhos não eram os mesmos. E nem as suas mãos. Brincava com efemeridades. E pulsava...

2007

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Posso me sentar ao teu lado?

Uma música qualquer rolava ao fundo. Mas parecia inaudível, misturava-se com aquele burburinho de falas. De palavras. Tanta gente. Algumas risadas. Observava apenas. Alguns casais de namorados. Uns meninos que falavam alto.

Burburinhos. Tanta gente. Continuava observando. No canto do bar havia um grupo de rapazes, que olhavam em vão para umas meninas da mesa ao lado. Um casal: uma lágrima escorria pelo rosto dela e ele apenas observava. Tantas palavras.

Burburinhos. Assustou-se com o garçom, lhe oferecendo mais uma cerveja. Tantas palavras. Tanta falta de significados. Tanta gente. Perguntou-se mais uma vez que música era aquela que estava tocando. Mas de fato isso não faria a menor importância. Resolveu tentar observar as palavras ditas à sua volta. Viu-se detida em imagens.

Burburinhos, algumas palavras. O relógio. Meia noite e meia. Sem mais. Definitivamente o silêncio sempre quisera dizer tantas coisas. Levantou-se. Hesitou, mas seguiu até a outra mesa de canto. Ele olhou-a. E ela: "Posso me sentar ao teu lado e segurar a tua mão?"

2007

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Para o meu amor...

Riu-se. Um dia tinha desacreditado que podia viver isso. Talvez por ter tanto desejado e esperado. Esperou ser feliz, ouvir palavras sussurradas ao pé do ouvido. Desejou um beijo, um abraço. Sem saber o que era isso o que desacreditava. Riu-se por descobrir que o amor era mais. Era mais do que só os risos, as danças, os beijos, as certezas.

Entre as suas mãos dadas às do outro existia um mundo dado. Um mundo de perguntas e dúvidas, de respostas e certezas. De risos e lágrimas. De beijos e de despedidas. De telefonemas esperados, queridos, inesperados. De costumes e medos. De momentos inesquecíveis, alguns até que queria esquecer. De imprevistos.

E de se entregar. E de se entregar corria o risco de mostrar e de ver todos os seus lados, os seus medos, o seu melhor e o seu pior. E foi aí que ela descobriu que era um constante risco, mesmo com quase dois anos, mesmo com a beleza que ela tinha achado na tranquilidade. O risco de viver, de dividir, o risco de ser sem nenhuma máscara. E aquele rico era uma escolha, era também uma possibilidade de ser feliz.

E o amor ia assim, brincando com ela, ela brincando com o amor. Entre rabiscos, pinturas, giz de cera... Colorindo-se em um acordo noturno sobre os cobertores. Um almoço gostoso no domingo. Num saber não estar mais sozinha. Por ter forças. É claro, também nos beijos, abraços, momentos de êxtase. Mas acima de tudo nas mãos dadas. Onde dois mundos dão as mãos.

O amor se constrói talvez nos paradoxos.E por ser assim, nem sempre certo, nem sempre seguro. Por ser assim, risco. Ela sorria, e era tão doce sorrir.

2010

quarta-feira, 30 de junho de 2010

No final do corredor

A minha única realidade resumia-se às quatro paredes daquela casa escura e fria. Havia apenas mais uma mulher vivendo comigo. Foi com ela que aprendi que não existiam outras pessoas no universo e que a luz do sol, sobre a qual li muitas vezes nos livros, era apenas fictícia.

Hoje eu entendo que todas aquelas palavras e informação que recebia era uma forma que aquela mulher tinha de me manter presa a ela e à casa. Eu acreditava e sabia apenas o que lhe convinha. Ela me controlava dizendo que a grande porta no final do corredor não deveria ser aberta: era perigoso atravessá-la e não havia nada além dela.

Geralmente, eu vagava os corredores durante horas tentando buscar algo novo em que acreditar. Novas realidades, talvez. Algo que pudesse tomar conta de um vazio que eu sentia. Naquele dia foi diferente: vi uma janela na sala sobre a qual nunca tinha demorado o olhar.

Por um momento senti uma grande vontade de abri-la. Porém, algo me deteve. Não, eu não estava pronta para descobrir um mundo além do que eu vivia. Sentia que faltavam algumas explicações, mas eu não tinha coragem de desvendá-las.

Apesar de não tê-la aberto, a janela não saia de minha cabeça. Corri para o quarto daquela mulher que morava comigo.Tinha a certeza de que ela me daria uma explicação dentro de tudo o que eu sempre acreditei. Mas ela estava morta na cama.

Não pude crer. Não era apenas uma pessoa que morria. Morria o mundo no qual ela me fizera acreditar, minha realidade. Percorri pela última vez aqueles corredores e decidi que eu podia destravar aquela porta e aquele mundo que me bloquevam. E foi então que eu abri a porta e não acreditei no que via...

2003

segunda-feira, 28 de junho de 2010

BEIJO

Fecha o livro. Na capa as letras se juntam: "Esperando Godot". Uma ladainha qualquer na televisão. Esgasgara na última página. A janela abafa um pouco o som dos apitos, buzinas. Das máquinas que cospem a manhã.

- Vamos, acorde!

Bebidas, discussões, planos: "Vamos mudar o mundo". No barzinho, uma rodada, outra... "Não, eu acho que o sistema"... O que foram aquelas palavras, aquela euforia, aquela verdade, aquela vontade? No fundo o que sempre existiu era aquele vazio. Um quarto fechado com uma TV ligada. E alguém ao seu lado que não quer acordar.

Paredes brancas e uma colcha branca e pesada. Desliga a TV. Vive aquele silêncio por alguns instantes. Rádio. Caminha pelo quarto, os pés descalços. Vocal de Cazuza: "E aquele garoto que ia mudar o mundo, mudar o mundo...". Observa os pés descalços:

- Vamos, acorde. Me diz que a gente pode. Acorde. Ah, me deixa gozar de novo aquela potência. Ou será que ela só existiu com os pés na água, caminhando na praia, sobre a lua cheia? Ou de madrugada, numa mesa de bar?

"Ideologia, eu quero uma para viver". Aperta violentamente o botão que desliga o rádio. Tenta chorar. Não consegue. Silêncio. Pelada, pela janela tenta viver a realidade, sentir a realidade. Lembra-se do dia anterior, no bar, as pessoas discutem uma reportagem, a vida no tráfico... a vida real. Tenta abrir as janelas e simplesmente não consegue.

Tem uma vontade súbita de escrever, começa a imaginar frases inteiras. Pega o papel e a caneta e simplesmente não sai frase nenhuma. Tenta chorar e não consegue. Silêncio. Ri. Ri. Ri. "Será que eu sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?". Parodia Clarisse Linspector. Tem vontade de citar tantos nomes. Pessoas, escritos, músicas, filmes.... Ri.

- Vamos acorde. A vida está acontecendo agora. Tudo o que discutimos toma rosto agora. Toda a nossa vontade deveria ser hoje, agora. Mas você dorme e tudo é essa parede branca.

"Essa papo meu tá qualquer coisa.... Esse papo seu já tá de manhã". Rádio. Tenta chorar e não consegue. Volta para o livro. Lê as últimas frases. "Vamos nos enforcar amanhã então". Niilismo. Ideologia. Morte das ideologias. Uma pessoa dormindo ao seu lado. Sem mais. Meio dia.

Ele - Arcodada já? É cedo.

Ela - Não é não.

Olha para o livro na mão dela: "Becket!" Lembra-se da palestra, sobre sei lá o que, que têm na faculdade.

Ele - Vamos embora?

Ela - Não podemos!

Ele - Por quê?

Ela - Estamos esperando Godot.

Ele - Ah, é! (Ri)

Beijo. E cai o pano.

2006

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O filme acabou, palmas

Os créditos passando. Mas ninguém se atreve a levantar da cadeira. Sob uma voz suave ficamos a ouvir Vinícius, a sentir Vinícius. A viver um pouquinho do poetinha. Pouco a pouco as luzes ascendem e o samba da benção entoa a saída tímida do público do cinema. Os passos estão embebidos com aquela vida, com o samba que envoca a tristeza na busca pela felicidade.

São caras novas e velhas. Pessoas que admiram esse viver de Vinícius. Essa pessoa, esse poeta, essa vida, essa libertação, essa paixão... A maior parte delas talvez leve uma vida regrada, de Segunda a Sexta, trabalhando das oito às seis, com uma parada de uma hora para o almoço. Talvez alguém trabalhe num escritório e só veja a vida por uma janelinha, quadrada que deixa passar um pouco do sol.

Ah.. o Sol... a vida. A beleza de viver. O melhor é viver, não ser feliz. A vida como busca da felicidade. A vida como risco de ser feliz. Beleza. A paixão, a entrega. "Um samba tem que ter alguma coisa bonita beleza, alguma coisa que chora alguma que sente saudade (...) Porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não". Uma vida dedicada à paixão.

Saí do cinema e só pude olhar. Eu não podia e nem precisava falar. Acho que se tivesse alguém ali comigo eu quereria só um olhar, talvez um beijo. Um silencioso beijo. Vinícius trocou no máximo 10 palavras com o pai... Mas entendiam-se e amavam-se.

Do cinema até em casa fui falando um texto que, com certeza, escreveria quando me sentasse em casa, em frente ao computador. Mas não escrevi. Apenas estou aqui, ao som das teclas do meu computador e as vozes de meus pais, que frequentemente falam meu nome, e escrevo um outro texto, talvez. Trascevo emoções.

A minha vida e o meu ano revistos a partir de um filme. De uma vida e não de um fingimento. Finjo... Eu podia ser mais do que fui, eu sou mais do que fui. Co-var-dia. Mulher que nega... o poeta diz que carinho é bom. Mulher que nega carinho, mulher que nega a vida. Cabeças que negam viver. Temos medo de amar, medo de viver, de sofrer. Vai vai, vai,vai sofrer.. A voz de Vinícius é insistente. A vida só dá para quem se dá.

Eu podia fazer desse papel uma crônica de tantas coisas. Uma promessa rotineira de fim de ano: o ano que vem vai ser diferente, eu mudo, eu faço e aconteço. Mas é mais do que isso. É sentir que a vida é completa. Epifânia...

A beleza está em viver. Clichê? Talvez. Porém ouviram-se palmas no final do filme. Talvez a vida seja mesmo uma invenção. Eu quero uma invenção banhada em Vinícius, Clarice... Pessoas que estamos sempre re-descobrindo, re-conhecendo e re-vivendo. Invenção banhada em beleza.

A pior solidão é daquele que se fecha em si mesmo. Eu quero uma invenção banhada em pessoas... amigos. Em pessoas reconhecidas. Re-visitadas, re-descobertas.

Foi a voz de Chico quem me disse que talvez Vinícius não caberia em lugar nenhum no hoje...


O filme acabou, palmas...


2005

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Morte - ou aquela da foto que a segurava quando bebê

A princípio não parecia real. Era só um artifício para caracterizar a personagem principal de um romance. Ela andava pelo meio fio, um daqueles estreitos, tentando equilibrar-se. Como criança. A garagem. Vem a imagem de sua vó.


O lugar à mesa vazio, ou ocupado por uma outra pessoa qualquer, marcava a ausência. Dificil materializar a morte. Era uma falta, uma lacuna. Um lugar tão completamente outro sem ela. Andava pelo meio fio como criança, mas sentia-se adulta. Pela primeira vez adulta.


Adulta. Faltava. Aquela não era a mesma casa, não era a mesma cidade, a mesma rotina que por muitas vezes não quisera viver. Andava no meio fio e descobria o quanto amava esses momentos. Essas visitas, essa pessoa que agora era a ausência.


Lágrimas discretas. Um sentimento de.... um sentimento que não saberia explicar. Imagem do enterro. De seu semblante tranquilo. Nunca tinha entendido quando da morte falavam tranquilidade. Talvez agora entendia.


E podia continuar andando pelo meio fio. Mesmo com aquela ausência, que as poucos se transformava em saudades. Porque a sentia dentro de si. Algo de sua vó pulsava dentro dela e ela podia equilibrar-se novamente no meio fio...

janeiro de 2007

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Ponto de ônibus

Uma menina se aproxima, tem os seus 12 anos. Pessoas no ponto. Dentre elas um menino da mesma idade. Algo naquele rosto lhe chama a atenção:

Menina – Oi!
Menino – Oi!
Menina – Você está indo para o Colégio? (Na camiseta do menino está escrito: Colégio)
Menino – É, sim!
Menina (lendo um papel com nomes de ônibus) – Esse ônibus também serve! Não tá escrito aí.
Menino – Obrigado. (Sorri)
O ônibus chega e os dois entram conversando.

A Menina se aproxima, tem agora os seus 18 anos. Pessoas no ponto. Dentre elas um rosto conhecido.
O Menino se aproxima. Estica a mão em direção à Menina. Quer lhe perguntar novamente o nome do ônibus, com medo de que ela não repita a cena. Exita. Não consegue falar. O ônibus chega e a Menina parte.


(2005)

O vendedor de sonhos

Era uma vez um menino
que vendia felicidade
sonhos de todos os tipos
primeiro pequenos,
depois grandes

O menino não aguentou
os sonhos se complicavam

Acabado tudo isso
seu sonho mesmo
não realizou
pois alegrar a todos
é impossível!

(1997 - o texto mais antigo que tenho guardado)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Lá fora chovia

Chuva e mais nada. Apenas aquele barulho incessante que lembrava que atrás dele havia apenas o nada. Uma vastidão de nadas, acontecimentos que iam e vinham, como aquela chuva, e não permaneciam tempo suficiente para serem alguma coisa.

A chuva caia e a rua estava deserta. Apenas os seus cabelos molhados e seus pés descalços habitavam as calçadas. Seus olhos castanhos estremeciam a cada trovão: não tinha medo da chuva e sim do nada que havia por trás dela. E continuava a caminhar.

Mesmo sem saber por onde. Afinal já conhecia mesmo cada pedaço daquela rua. Passou por seu colégio, pela padaria, pelos becos escuros da certeza. Mas não encontrou nenhum algo. Parou frente à antiga casa de Seu Pessoa, que havia se mudado há poucos dias.

Dentro encontrou mais uma vez a vastidão do nada. E apenas um espelho. Parou. Olhou. Viu seus cabelos castanhos e encaracolados, viu seus olhos, sua barba que lhe cobria a face, sua estatura mediana, suas feições fortes, suas mãos grandes. Olhou-se no meio do nada.

Olhava-se. Não importavam mais as horas, os minutos e os segundos. Apenas se olhava. Perguntava-se se um dia isso faria sentido. A resposta não estava lá. Mas ele estava. Ele e o nada. Não. Não era ele que estava dentro do nada. Era o nada que estava dentro dele.

Pela sua cabeça um monte de tudos ou de algos passava. Como um filme de quem há muito não tem mais lembranças. Com o filme, uma vontade de chorar. Lá fora o silêncio da chuva caindo, lá dentro o de uma lágrima discreta. E o choro.

Porque todo aquele nada era também um monte de algos. E era um algo que se solidificava na imagem de um rosto. Mas não era um rosto muito nítido. Não. A sua imagem hesitava num sorriso pálido. E cada lágrima que escorria era um pedacinho daquele sorriso.

Sorriso febril. E a imagem refletida no espelho se misturava com aquele sorriso. E aquela voz que surgia da parede ou de um lugar qualquer da chuva. O vento trazia todas as palavras que já era tarde demais para falar. E uma gargalhada nervosa refez o silêncio e o nada.

Lá fora chovia...

(2004)
E continuou a chuva. Mas agora as gotas mudaram o seu gosto. Eram gotas de gostos novos. E de olhos novos. Abriu os olhos e estranhou. Não sabia se era a chuva, as gotas, o gosto ou os tais olhos. Mas estranhou. Mesmo assim, levantou. O caminho era o mesmo de sempre, a avenida tão movimentada quanto ontem. E as lágrimas da chuva continuavam a animá-la. Procurou encontrar o que de diferente se escondia naquele cenário tão próprio de seus textos e histórias.

Era como se acordasse de um sonho. E, ao abrir os olhos, encontrava menos. Menos motivos, menos motivações. Menos por-vir. Sentia-se flutuando, de nuvem em nuvem - ou gota em gota - no futuro. Acordara de um sonho, no futuro. E, apesar da chuva, as suas gotas tinham um gosto novo. E gotas-gosto-olhos-nuvens a faziam estranhar. Como é que era agora, no futuro? Entusiasmo e desilusões a arrebatavam. E o tédio gotejava, junto com a chuva-a-gosto. Tira gosto.

Fotografias e negativos passavam pela sua cabeça: "Eu não quero ser uma formiga", "Eu amo isso, sei que é o que eu quero fazer da minha vida". Pronto, fizera a faculdade. Seguira o teatro. Mas... e agora? Qual a sua garantia de não ser uma formiga? Qual o sabor do gosto das gotas para as formigas? Qual o sabor da vontade para as formigas? E o sabor do tédio? Sentia um formigamento nos membros. Uma voz lhe insistia: e agora?

E agora? As gotas não tinham mais o gosto de promessa. De espectativa, de antes. Elas tinham o gosto do depois.

E em meio as gotas-gosto de chuva, decidiu que tinha que inventar um novo futuro.

(início de 2009)