Sentou-se na platéia e queria de qualquer maneira lembrar-se da história da peça. Vinham-lhe outros Nelsons Rodrigues: as mulheres, as fugas, os filhos, as botinas, a insônia e a náusea. Mas os afogados faltavam-lhe. Mesmo que já houvesse lido, não se lembrava nem mesmo quem era a senhora dos afogados. Abandonou-se então como espectadora. E pode.
Simplesmente espectadora de teatro. Quando mais podia respirá-lo. Respirava teatro e vida. E pedia licença a todos os clichês. Porque assim era. E, claro aos fragmentos da pós-modernidade. E teve um súbito medo de esquecer as descobertas que eram suas. Quis agarrá-las com todas as suas forças. Quis escrever. Esquecer-se de todo o resto.
O teatro estava tão cheio que sentiu-se invadida. Egoísta, não tinha vontade de compartilhar a dita experiência estética com tanta gente. Bem como as suas lágrimas. Porque não podiam deixá-la sozinha? O palco centralizava as histórias reais e ficcionais. E não havia mais real e ficcional. Havia uma sensação física. Uma dor. E lágrimas.
Não podiam poupá-la de ser sozinha. Por que então tentavam tirar-lhe aquele direito? Por um instante pudera olhar no espelho, sozinha. Sozinha entre quatro paredes brancas. Escondeu-se no canto. Procurando por si. Uma lágrima refez o desenho do seu rosto. E seu rosto parecia disforme. E era tão puro.
E a menina da cena não mais podia olhar o seu rosto no espelho. Tantas faces diante do espelho. Tantas perguntas diante dessa face. Face que é página em branco. Passou a mão no rosto para concretizar algumas linhas. As falas da peça e pessoas a sua volta perguntando-lhe por lhe caíra uma lágrima. E seguraram aquela lágrima. Não a deixaram terminar de escorrer.
Releu o texto que escrevia. Juntava o teatro e a vida e as suas histórias e verdades. Os tais jogos cênicos. As tais ações, e escreveu. Transformava a sua respiração em narrativa. Quis ainda falar do outro, depois de discorrer sobre si, e não pode. O outro era algo tão puro que resumia-se apenas em um abraço. E em um olhar que ainda queria guardar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário