quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

 MEUS OLHOS ARDEM. Eu não quero mais apertar o botão de começar. Eu já sei o que vai acontecer. Mas não sei. Aos poucos, alguns entram na vídeochamada. Como vocês estão? Como vai a escola? E o isolamento? Aos poucos as risadas e as respostas me acalmam. Mas há esse segundo, esse minuto, em que tudo o que eu sinto é  vontade de NÃO. E eu me olho de fora. Penso em como alguém gesticulando, rindo e tentando fazer sentido essa tela. Quem me visse de fora, me veria só. O silêncio marca o tempo. Estou só. Ao mesmo tempo 10, 15, 20 pessoas me observam. Na minha casa, no meu quarto. E eu não posso dizer NÃO. E nem dar vestígios que eu quero/penso no NÃO. As câmeras, desligadas. O pedido. REPETIÇÃO. A minha repetição. Os risos que vem depois. Algumas desculpas. Algumas imagens aparecem, mas é fugaz. Logo, as imagens se esquecem. Vocês estão me ouvindo. As câmeras, desligadas. O pedido. REPETIÇÃO. A minha repetição. Os risos que vem depois. Algumas desculpas. Algumas imagens aparecem, mas é fugaz. Logo, as imagens se esquecem. Vocês estão me ouvindo. As câmeras, desligadas. O pedido. REPETIÇÃO. A minha repetição. Os risos que vem depois. Algumas desculpas. Algumas imagens aparecem, mas é fugaz. Logo, as imagens se esquecem. Vocês estão me ouvindo. As câmeras, desligadas. O pedido. REPETIÇÃO. A minha repetição. Os risos que vem depois. Algumas desculpas. Algumas imagens aparecem, mas é fugaz. Logo, as imagens se esquecem. Vocês estão me ouvindo

(Temos que ser justos, há imagens que ficam e nos dão as mãos, às vezes. Mas sinto que esse número vai se esvaindo aos poucos). 

Eu olho para mim, às vezes. Deixo na minha imagem, para ter alguma resposta. Conto para mim a história do teatro que já sei (e às vezes parece que não sei). Tento reinventar o conteúdo. Me convencer da novidade. Alívio. Surge uma voz, ou uma caixinha de mensagem. O tempo se esvai. Escorre, demora. O tempo se esvai. Escorre, demora. Abro alguma outra janela, uma mensagem, uma notícia. O tempo se esvai. Escorre, demora. Uma notificação, uma dúvida, de outra turma, outro termo. O tempo se esvai. Escorre, demora. Um site, que me relembra alguma data. Um eco de alguém que fala. O tempo se esvai. Escorre, demora. O tempo se esvai. Escorre, demora. O tempo se esvai. Escorre, demora. O tempo se esvai. Escorre, demora. MAS PASSA. DESLIGO. O alívio. O corpo se entrega ao chão. E, por um segundo, se esquece que amanhã recomeça.


NOVEMBRO/2020

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Silenciar. A capacidade das palavras de transformar o silêncio em ação. Um quê de fascínio. Ela levantou-se, ali, naquele quarto de paredes não mais tão brancas. 
Silenciar. Silêncio-ar.  Respiração.
E ela ali, entre a passividade, sujeit(a) de passagem. Território de transição.
Uma manhã, falada de silêncio. E as palavras - sentidos - pareciam querer explodir da garganta.
Como sempre ela imaginou um texto. Bonito? 
Mas (hesitou) (exitou) ao preencher a página em branco. 
Entre o excesso e a ausência. Silêncio. 
Silenciar. Si-len-ci-AR.
Ela quis ser vento, e deixar o ar entrar. Cessar os barulhos externos, internos que não a deixavam escutar e ela nem bem sabia o quê.

Silenciar. Ela quis transformar o silêncio em verbo. Evidenciar-se enquanto perigo, território de si.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Janelas. E quartos. E salas. E pequenas câmeras. E os sorrisos. Aos poucos a gente se convence de resignificar. O corpo, os espaços, as relações. E a gente que vive de arte, que respira arte, tenta seguir. Num primeiro momento a inação assustou, um cheiro inebriante de limbo. Tentei me convencer a resignificar os dias pela arte. Como é bom aquecer o coração próximo dos nossos. E viver dos vídeos. E viver ressoando próximo aos nossos.
Mas hoje eu acordo. Acordo com tubaina, com cloroquina, com João. Acordo com uma risada sarcástica, uma piada inadmissível. E novamente esse cheiro nauseabundo de limbo toma conta. Não há perfume ou forma de dissipar. E novamente a sensação de estar em um penhasco, em um carro desgovernado.
A gente faz arte porque a vida não nos basta. E vamos continuar fazendo.
Mas das nossas janelas, aos poucos, me parece que a gente se desmobiliza. A gente vai deixando até a janela. Estamos cansados, esgotados. Isolados, a gente se aliena também um pouco. E as vezes se alienar é remédio. Porque nos falta o ar. (Acho muito paradoxal que esse vírus nos tire o ar e nos aperte o peito, assim como nossa realidade) Porque é difícil viver uma vida que nos mandam tomar tubaína. Nada contra a tubaína, por favor (peço licença aos valores nutricionais). Tudo contra a cloroquina, enfiada goela abaixo junto com todas as outras coisas que nós temos que engolir. Diariamente.
E aí eu tento escrever ficções. Me alimentar dos raios de sol. Envolve-los como abraços e viver dos beijos ainda por viver.
Mas aí vem João, assassinado na sua casa. E aí vem as invasões nas terras indígenas (por meio de armas ou de doenças). E aí vem tantas coisas que fazem esse um dia que eu não quero viver.
Eu penso na rua. E no espaço que cabe aos corpos. Vínhamos tentado refletir a rua como espaço político de existência. Mas aí não é. E nem o espaço privado é direito de todos. Isso antes da pandemia. O público e o privado são em tempos normais já excludentes o suficiente.
E aí não ir pra rua é ato de sobrevivência. E a sobrevivência no nosso país já é política há muito tempo (e continua sendo agora, talvez só estendida a outra parcela da população). tanto é, que cada um que morre a gente repete: presente. Querendo garantir aquela velha história que se pode matar uma pessoa mas não uma ideia. Mas me parece que as ideias estão sim sendo mortas. Que a nossa resistência ideológica míngua, se desfalece aos poucos. Cada um das nossas salas, tentamos nos conectar à beleza da vida. Pra nos manter vivos e sãos. Ansiando pela vida lá fora. Mas a vida lá fora é uma realidade tão dura. E as vezes eu acho que a gente vai fechando as janelas. E vai tentando recriar nas abas do computador e do celular.
Talvez seja uma escolha de Galileu. Talvez a gente precise optar pela sobrevivência.
Mas e ai, quando um jovem é morto dentro da sua casa. O que resta? Ele não pôde optar pela sua sobrevivência.
Quem pode sobreviver? Que pode optar por sobreviver? Pergunta que se faz e refaz, como um eco.
Me parece que a gente vai se corroendo de distância entre as classes sociais, de fome, de abismos de condições.
Não tem nem cloroquina, nem tubaína que nos salve. E nem vinho...

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

as pálpebras, ainda um pouco pesadas, se entreabriram. estava escuro. parecia que o dia ainda não estava preparado. nem ela. sentia uma leve ardência no peito. um pequeno arranhão. na verdade estava exposta. ex-posta. sem nem pensar, saia. seus passos firmes por fora, cambaleantes por dentro. dia a dia. dia a dia. antes mesmo do dia chegar.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

fuga

Fugi. Vesti a calça azul que estava jogada em cima da cadeira e aquela blusa laranja mesmo. Sem combinar. Deixei as luzes do meu quarto acesas, pra não suspeitarem de minha ausência. Abri devagarinho as persianas e as janelas e descobri as vantagens de morar no térreo. Subi a rua com pressa. Escuro. E nem percebi que a essa hora da noite já não tinha mais metro. Então resolvi ir seguindo. Andando pela paulista a noite. De verdade, dessa vez, anônima e invisível, a rua vazia. De vez em quando alguém passava. Continuei andando, sem muito rumo, por dessa vez fugi sem fazer planos. Tinha pensado em deixar o celular em casa, mas não consegui. Pensei que seria bom deixá-lo ligado para ver quem me procuraria Continuei andando, com um pouco de medo, por estar muito escuro. O dia me encontrou na rodoviária. Parti em direção a santos. E quando me dei conta, meus pés estavam dentro da água. E só aí me apareceu um sorriso. E lá eu nem percebi que a dor de garganta que me incomodava ontem, já não estava mais. Já não estava ali o excesso de coisas não ditas. Quis sentar-me para escrever. Iniciei com as mesmas palavras de sempre. O mesmo jogo de tentar escrever e não conseguir. Tentar rir e não conseguir. Tentar chorar... Desisti de escrever. Era melhor só olhar para o mar. E imaginar, saboreando quase maliciosamente, como cada um descobriria que eu fugi. E pensei em ligar para alguém e desisti. Era melhor esperar. Comprei uma água de coco. Um milho. Fugi deixando um trabalho salvo no meu computador. Fugi deixando as férias remuneradas. Fugi deixando promessas. Fugi sentindo falta de promessas. Fugi com o celular ligado, não para atender ninguém, mas por curiosidade. Ele tocou algumas vezes. E eu nem fui ver quem era. Me interessava saber que ele tocava. Mas o quem não. Porque eu fugi sem contar para ninguém. Paradoxalmente postei no facebook;.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Minha mãe tem duas irmãs de sangue. Mas ela tem uma terceira irmã. E aí me faltam as palavras. Para uma terceira irmã da minha mãe talvez eu tenha tido pouco contato. Mas eu me lembro de um pão de pizza que ela fazia para as nossas partidas de buraco. Foi assim que a minha prima aprendeu a jogar buraco. E a gente dava uns choques de vez em quando e ela dizia que era bom, que as nossas energias combinavam. E aí morava um grande carinho, talvez nem tanto anunciado. E ela que me levou para um grande sonho da minha adolescência: um reveillon na Paulista. E ela que me acalmou no pré-vestibular. Ela que me deu um olhinho que eu carrego até hoje do lado das máscaras do teatro.
Até que... As reticências tomaram conta. E eu por medo, por essa minha estranha mania de me afastar das coisas com as quais eu não sei lidar, me afastei. E quantas vezes sonhei com ela abrindo os olhos de novo. Sonhei com um abraço. E acreditei naquela história de que era melhor guardar a imagem das pessoas em seus melhores momentos.
Me desculpe.
Eu queria que você soubesse do imenso carinho que eu tenho. Admiração mesmo, pelas suas respostas, seu sorriso.

7 de novembro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

sabe aquela expressão: para o mundo que eu quero descer. pois é, parei. parei por um dia. por um dia me escondi dentro de mim. mascando olho com séries bobas, jogos, besteiras da internet. por um dia eu quase me anulei. e não estudei teatro. não dei aula. não fiz nada do que pode ser considerado útil. vivi de inutilidades. e o dia quase chegando ao fim, resolvi escrever um rascunho. sem querer que as palavras fossem bonitas. uma vontade dolorida de chorar. assim, desafogar um peso. me desafogar. me esconder dentro de mim. péra mundo, pára mundo, gira mundo. que eu quero chorar. que eu quero sorrir. que esse rio não tá dando pé. me visto de todos os motivos para suportar. uma vontade dolorida de viver. por que é que a gente tem que trabalhar tanto até se transformar em máquina, ou manchar a alma de tédio. uma vontade dolorida de declarar uma liberdade que ainda demora 58 dias úteis. porque o pára um pouquinho, descansa um pouquinho parece não funcionar.
vontade de transbordar essa rotina. de não caber mais dentro dela. de não domar mais esse leão todos os dias, ao passar aquela porta. não quero me domar.