Janelas. E quartos. E salas. E pequenas câmeras. E os sorrisos. Aos poucos a gente se convence de resignificar. O corpo, os espaços, as relações. E a gente que vive de arte, que respira arte, tenta seguir. Num primeiro momento a inação assustou, um cheiro inebriante de limbo. Tentei me convencer a resignificar os dias pela arte. Como é bom aquecer o coração próximo dos nossos. E viver dos vídeos. E viver ressoando próximo aos nossos.
Mas hoje eu acordo. Acordo com tubaina, com cloroquina, com João. Acordo com uma risada sarcástica, uma piada inadmissível. E novamente esse cheiro nauseabundo de limbo toma conta. Não há perfume ou forma de dissipar. E novamente a sensação de estar em um penhasco, em um carro desgovernado.
A gente faz arte porque a vida não nos basta. E vamos continuar fazendo.
Mas das nossas janelas, aos poucos, me parece que a gente se desmobiliza. A gente vai deixando até a janela. Estamos cansados, esgotados. Isolados, a gente se aliena também um pouco. E as vezes se alienar é remédio. Porque nos falta o ar. (Acho muito paradoxal que esse vírus nos tire o ar e nos aperte o peito, assim como nossa realidade) Porque é difícil viver uma vida que nos mandam tomar tubaína. Nada contra a tubaína, por favor (peço licença aos valores nutricionais). Tudo contra a cloroquina, enfiada goela abaixo junto com todas as outras coisas que nós temos que engolir. Diariamente.
E aí eu tento escrever ficções. Me alimentar dos raios de sol. Envolve-los como abraços e viver dos beijos ainda por viver.
Mas aí vem João, assassinado na sua casa. E aí vem as invasões nas terras indígenas (por meio de armas ou de doenças). E aí vem tantas coisas que fazem esse um dia que eu não quero viver.
Eu penso na rua. E no espaço que cabe aos corpos. Vínhamos tentado refletir a rua como espaço político de existência. Mas aí não é. E nem o espaço privado é direito de todos. Isso antes da pandemia. O público e o privado são em tempos normais já excludentes o suficiente.
E aí não ir pra rua é ato de sobrevivência. E a sobrevivência no nosso país já é política há muito tempo (e continua sendo agora, talvez só estendida a outra parcela da população). tanto é, que cada um que morre a gente repete: presente. Querendo garantir aquela velha história que se pode matar uma pessoa mas não uma ideia. Mas me parece que as ideias estão sim sendo mortas. Que a nossa resistência ideológica míngua, se desfalece aos poucos. Cada um das nossas salas, tentamos nos conectar à beleza da vida. Pra nos manter vivos e sãos. Ansiando pela vida lá fora. Mas a vida lá fora é uma realidade tão dura. E as vezes eu acho que a gente vai fechando as janelas. E vai tentando recriar nas abas do computador e do celular.
Talvez seja uma escolha de Galileu. Talvez a gente precise optar pela sobrevivência.
Mas e ai, quando um jovem é morto dentro da sua casa. O que resta? Ele não pôde optar pela sua sobrevivência.
Quem pode sobreviver? Que pode optar por sobreviver? Pergunta que se faz e refaz, como um eco.
Me parece que a gente vai se corroendo de distância entre as classes sociais, de fome, de abismos de condições.
Não tem nem cloroquina, nem tubaína que nos salve. E nem vinho...
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