Chuva e mais nada. Apenas aquele barulho incessante que lembrava que atrás dele havia apenas o nada. Uma vastidão de nadas, acontecimentos que iam e vinham, como aquela chuva, e não permaneciam tempo suficiente para serem alguma coisa.
A chuva caia e a rua estava deserta. Apenas os seus cabelos molhados e seus pés descalços habitavam as calçadas. Seus olhos castanhos estremeciam a cada trovão: não tinha medo da chuva e sim do nada que havia por trás dela. E continuava a caminhar.
Mesmo sem saber por onde. Afinal já conhecia mesmo cada pedaço daquela rua. Passou por seu colégio, pela padaria, pelos becos escuros da certeza. Mas não encontrou nenhum algo. Parou frente à antiga casa de Seu Pessoa, que havia se mudado há poucos dias.
Dentro encontrou mais uma vez a vastidão do nada. E apenas um espelho. Parou. Olhou. Viu seus cabelos castanhos e encaracolados, viu seus olhos, sua barba que lhe cobria a face, sua estatura mediana, suas feições fortes, suas mãos grandes. Olhou-se no meio do nada.
Olhava-se. Não importavam mais as horas, os minutos e os segundos. Apenas se olhava. Perguntava-se se um dia isso faria sentido. A resposta não estava lá. Mas ele estava. Ele e o nada. Não. Não era ele que estava dentro do nada. Era o nada que estava dentro dele.
Pela sua cabeça um monte de tudos ou de algos passava. Como um filme de quem há muito não tem mais lembranças. Com o filme, uma vontade de chorar. Lá fora o silêncio da chuva caindo, lá dentro o de uma lágrima discreta. E o choro.
Porque todo aquele nada era também um monte de algos. E era um algo que se solidificava na imagem de um rosto. Mas não era um rosto muito nítido. Não. A sua imagem hesitava num sorriso pálido. E cada lágrima que escorria era um pedacinho daquele sorriso.
Sorriso febril. E a imagem refletida no espelho se misturava com aquele sorriso. E aquela voz que surgia da parede ou de um lugar qualquer da chuva. O vento trazia todas as palavras que já era tarde demais para falar. E uma gargalhada nervosa refez o silêncio e o nada.
Lá fora chovia...
(2004)
Boa Tarde!!!Tudo bem??? Que "nada" hein... Gostei... Foi você mesma que escreveu?...
ResponderExcluirParabéns!!!
Felicidades!!!
Beijos e abraços