quinta-feira, 24 de junho de 2010

O filme acabou, palmas

Os créditos passando. Mas ninguém se atreve a levantar da cadeira. Sob uma voz suave ficamos a ouvir Vinícius, a sentir Vinícius. A viver um pouquinho do poetinha. Pouco a pouco as luzes ascendem e o samba da benção entoa a saída tímida do público do cinema. Os passos estão embebidos com aquela vida, com o samba que envoca a tristeza na busca pela felicidade.

São caras novas e velhas. Pessoas que admiram esse viver de Vinícius. Essa pessoa, esse poeta, essa vida, essa libertação, essa paixão... A maior parte delas talvez leve uma vida regrada, de Segunda a Sexta, trabalhando das oito às seis, com uma parada de uma hora para o almoço. Talvez alguém trabalhe num escritório e só veja a vida por uma janelinha, quadrada que deixa passar um pouco do sol.

Ah.. o Sol... a vida. A beleza de viver. O melhor é viver, não ser feliz. A vida como busca da felicidade. A vida como risco de ser feliz. Beleza. A paixão, a entrega. "Um samba tem que ter alguma coisa bonita beleza, alguma coisa que chora alguma que sente saudade (...) Porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não". Uma vida dedicada à paixão.

Saí do cinema e só pude olhar. Eu não podia e nem precisava falar. Acho que se tivesse alguém ali comigo eu quereria só um olhar, talvez um beijo. Um silencioso beijo. Vinícius trocou no máximo 10 palavras com o pai... Mas entendiam-se e amavam-se.

Do cinema até em casa fui falando um texto que, com certeza, escreveria quando me sentasse em casa, em frente ao computador. Mas não escrevi. Apenas estou aqui, ao som das teclas do meu computador e as vozes de meus pais, que frequentemente falam meu nome, e escrevo um outro texto, talvez. Trascevo emoções.

A minha vida e o meu ano revistos a partir de um filme. De uma vida e não de um fingimento. Finjo... Eu podia ser mais do que fui, eu sou mais do que fui. Co-var-dia. Mulher que nega... o poeta diz que carinho é bom. Mulher que nega carinho, mulher que nega a vida. Cabeças que negam viver. Temos medo de amar, medo de viver, de sofrer. Vai vai, vai,vai sofrer.. A voz de Vinícius é insistente. A vida só dá para quem se dá.

Eu podia fazer desse papel uma crônica de tantas coisas. Uma promessa rotineira de fim de ano: o ano que vem vai ser diferente, eu mudo, eu faço e aconteço. Mas é mais do que isso. É sentir que a vida é completa. Epifânia...

A beleza está em viver. Clichê? Talvez. Porém ouviram-se palmas no final do filme. Talvez a vida seja mesmo uma invenção. Eu quero uma invenção banhada em Vinícius, Clarice... Pessoas que estamos sempre re-descobrindo, re-conhecendo e re-vivendo. Invenção banhada em beleza.

A pior solidão é daquele que se fecha em si mesmo. Eu quero uma invenção banhada em pessoas... amigos. Em pessoas reconhecidas. Re-visitadas, re-descobertas.

Foi a voz de Chico quem me disse que talvez Vinícius não caberia em lugar nenhum no hoje...


O filme acabou, palmas...


2005

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