A minha única realidade resumia-se às quatro paredes daquela casa escura e fria. Havia apenas mais uma mulher vivendo comigo. Foi com ela que aprendi que não existiam outras pessoas no universo e que a luz do sol, sobre a qual li muitas vezes nos livros, era apenas fictícia.
Hoje eu entendo que todas aquelas palavras e informação que recebia era uma forma que aquela mulher tinha de me manter presa a ela e à casa. Eu acreditava e sabia apenas o que lhe convinha. Ela me controlava dizendo que a grande porta no final do corredor não deveria ser aberta: era perigoso atravessá-la e não havia nada além dela.
Geralmente, eu vagava os corredores durante horas tentando buscar algo novo em que acreditar. Novas realidades, talvez. Algo que pudesse tomar conta de um vazio que eu sentia. Naquele dia foi diferente: vi uma janela na sala sobre a qual nunca tinha demorado o olhar.
Por um momento senti uma grande vontade de abri-la. Porém, algo me deteve. Não, eu não estava pronta para descobrir um mundo além do que eu vivia. Sentia que faltavam algumas explicações, mas eu não tinha coragem de desvendá-las.
Apesar de não tê-la aberto, a janela não saia de minha cabeça. Corri para o quarto daquela mulher que morava comigo.Tinha a certeza de que ela me daria uma explicação dentro de tudo o que eu sempre acreditei. Mas ela estava morta na cama.
Não pude crer. Não era apenas uma pessoa que morria. Morria o mundo no qual ela me fizera acreditar, minha realidade. Percorri pela última vez aqueles corredores e decidi que eu podia destravar aquela porta e aquele mundo que me bloquevam. E foi então que eu abri a porta e não acreditei no que via...
2003
quarta-feira, 30 de junho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
BEIJO
Fecha o livro. Na capa as letras se juntam: "Esperando Godot". Uma ladainha qualquer na televisão. Esgasgara na última página. A janela abafa um pouco o som dos apitos, buzinas. Das máquinas que cospem a manhã.
- Vamos, acorde!
Bebidas, discussões, planos: "Vamos mudar o mundo". No barzinho, uma rodada, outra... "Não, eu acho que o sistema"... O que foram aquelas palavras, aquela euforia, aquela verdade, aquela vontade? No fundo o que sempre existiu era aquele vazio. Um quarto fechado com uma TV ligada. E alguém ao seu lado que não quer acordar.
Paredes brancas e uma colcha branca e pesada. Desliga a TV. Vive aquele silêncio por alguns instantes. Rádio. Caminha pelo quarto, os pés descalços. Vocal de Cazuza: "E aquele garoto que ia mudar o mundo, mudar o mundo...". Observa os pés descalços:
- Vamos, acorde. Me diz que a gente pode. Acorde. Ah, me deixa gozar de novo aquela potência. Ou será que ela só existiu com os pés na água, caminhando na praia, sobre a lua cheia? Ou de madrugada, numa mesa de bar?
"Ideologia, eu quero uma para viver". Aperta violentamente o botão que desliga o rádio. Tenta chorar. Não consegue. Silêncio. Pelada, pela janela tenta viver a realidade, sentir a realidade. Lembra-se do dia anterior, no bar, as pessoas discutem uma reportagem, a vida no tráfico... a vida real. Tenta abrir as janelas e simplesmente não consegue.
Tem uma vontade súbita de escrever, começa a imaginar frases inteiras. Pega o papel e a caneta e simplesmente não sai frase nenhuma. Tenta chorar e não consegue. Silêncio. Ri. Ri. Ri. "Será que eu sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?". Parodia Clarisse Linspector. Tem vontade de citar tantos nomes. Pessoas, escritos, músicas, filmes.... Ri.
- Vamos acorde. A vida está acontecendo agora. Tudo o que discutimos toma rosto agora. Toda a nossa vontade deveria ser hoje, agora. Mas você dorme e tudo é essa parede branca.
"Essa papo meu tá qualquer coisa.... Esse papo seu já tá de manhã". Rádio. Tenta chorar e não consegue. Volta para o livro. Lê as últimas frases. "Vamos nos enforcar amanhã então". Niilismo. Ideologia. Morte das ideologias. Uma pessoa dormindo ao seu lado. Sem mais. Meio dia.
Ele - Arcodada já? É cedo.
Ela - Não é não.
Olha para o livro na mão dela: "Becket!" Lembra-se da palestra, sobre sei lá o que, que têm na faculdade.
Ele - Vamos embora?
Ela - Não podemos!
Ele - Por quê?
Ela - Estamos esperando Godot.
Ele - Ah, é! (Ri)
Beijo. E cai o pano.
2006
- Vamos, acorde!
Bebidas, discussões, planos: "Vamos mudar o mundo". No barzinho, uma rodada, outra... "Não, eu acho que o sistema"... O que foram aquelas palavras, aquela euforia, aquela verdade, aquela vontade? No fundo o que sempre existiu era aquele vazio. Um quarto fechado com uma TV ligada. E alguém ao seu lado que não quer acordar.
Paredes brancas e uma colcha branca e pesada. Desliga a TV. Vive aquele silêncio por alguns instantes. Rádio. Caminha pelo quarto, os pés descalços. Vocal de Cazuza: "E aquele garoto que ia mudar o mundo, mudar o mundo...". Observa os pés descalços:
- Vamos, acorde. Me diz que a gente pode. Acorde. Ah, me deixa gozar de novo aquela potência. Ou será que ela só existiu com os pés na água, caminhando na praia, sobre a lua cheia? Ou de madrugada, numa mesa de bar?
"Ideologia, eu quero uma para viver". Aperta violentamente o botão que desliga o rádio. Tenta chorar. Não consegue. Silêncio. Pelada, pela janela tenta viver a realidade, sentir a realidade. Lembra-se do dia anterior, no bar, as pessoas discutem uma reportagem, a vida no tráfico... a vida real. Tenta abrir as janelas e simplesmente não consegue.
Tem uma vontade súbita de escrever, começa a imaginar frases inteiras. Pega o papel e a caneta e simplesmente não sai frase nenhuma. Tenta chorar e não consegue. Silêncio. Ri. Ri. Ri. "Será que eu sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?". Parodia Clarisse Linspector. Tem vontade de citar tantos nomes. Pessoas, escritos, músicas, filmes.... Ri.
- Vamos acorde. A vida está acontecendo agora. Tudo o que discutimos toma rosto agora. Toda a nossa vontade deveria ser hoje, agora. Mas você dorme e tudo é essa parede branca.
"Essa papo meu tá qualquer coisa.... Esse papo seu já tá de manhã". Rádio. Tenta chorar e não consegue. Volta para o livro. Lê as últimas frases. "Vamos nos enforcar amanhã então". Niilismo. Ideologia. Morte das ideologias. Uma pessoa dormindo ao seu lado. Sem mais. Meio dia.
Ele - Arcodada já? É cedo.
Ela - Não é não.
Olha para o livro na mão dela: "Becket!" Lembra-se da palestra, sobre sei lá o que, que têm na faculdade.
Ele - Vamos embora?
Ela - Não podemos!
Ele - Por quê?
Ela - Estamos esperando Godot.
Ele - Ah, é! (Ri)
Beijo. E cai o pano.
2006
quinta-feira, 24 de junho de 2010
O filme acabou, palmas
Os créditos passando. Mas ninguém se atreve a levantar da cadeira. Sob uma voz suave ficamos a ouvir Vinícius, a sentir Vinícius. A viver um pouquinho do poetinha. Pouco a pouco as luzes ascendem e o samba da benção entoa a saída tímida do público do cinema. Os passos estão embebidos com aquela vida, com o samba que envoca a tristeza na busca pela felicidade.
São caras novas e velhas. Pessoas que admiram esse viver de Vinícius. Essa pessoa, esse poeta, essa vida, essa libertação, essa paixão... A maior parte delas talvez leve uma vida regrada, de Segunda a Sexta, trabalhando das oito às seis, com uma parada de uma hora para o almoço. Talvez alguém trabalhe num escritório e só veja a vida por uma janelinha, quadrada que deixa passar um pouco do sol.
Ah.. o Sol... a vida. A beleza de viver. O melhor é viver, não ser feliz. A vida como busca da felicidade. A vida como risco de ser feliz. Beleza. A paixão, a entrega. "Um samba tem que ter alguma coisa bonita beleza, alguma coisa que chora alguma que sente saudade (...) Porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não". Uma vida dedicada à paixão.
Saí do cinema e só pude olhar. Eu não podia e nem precisava falar. Acho que se tivesse alguém ali comigo eu quereria só um olhar, talvez um beijo. Um silencioso beijo. Vinícius trocou no máximo 10 palavras com o pai... Mas entendiam-se e amavam-se.
Do cinema até em casa fui falando um texto que, com certeza, escreveria quando me sentasse em casa, em frente ao computador. Mas não escrevi. Apenas estou aqui, ao som das teclas do meu computador e as vozes de meus pais, que frequentemente falam meu nome, e escrevo um outro texto, talvez. Trascevo emoções.
A minha vida e o meu ano revistos a partir de um filme. De uma vida e não de um fingimento. Finjo... Eu podia ser mais do que fui, eu sou mais do que fui. Co-var-dia. Mulher que nega... o poeta diz que carinho é bom. Mulher que nega carinho, mulher que nega a vida. Cabeças que negam viver. Temos medo de amar, medo de viver, de sofrer. Vai vai, vai,vai sofrer.. A voz de Vinícius é insistente. A vida só dá para quem se dá.
Eu podia fazer desse papel uma crônica de tantas coisas. Uma promessa rotineira de fim de ano: o ano que vem vai ser diferente, eu mudo, eu faço e aconteço. Mas é mais do que isso. É sentir que a vida é completa. Epifânia...
A beleza está em viver. Clichê? Talvez. Porém ouviram-se palmas no final do filme. Talvez a vida seja mesmo uma invenção. Eu quero uma invenção banhada em Vinícius, Clarice... Pessoas que estamos sempre re-descobrindo, re-conhecendo e re-vivendo. Invenção banhada em beleza.
A pior solidão é daquele que se fecha em si mesmo. Eu quero uma invenção banhada em pessoas... amigos. Em pessoas reconhecidas. Re-visitadas, re-descobertas.
Foi a voz de Chico quem me disse que talvez Vinícius não caberia em lugar nenhum no hoje...
O filme acabou, palmas...
2005
São caras novas e velhas. Pessoas que admiram esse viver de Vinícius. Essa pessoa, esse poeta, essa vida, essa libertação, essa paixão... A maior parte delas talvez leve uma vida regrada, de Segunda a Sexta, trabalhando das oito às seis, com uma parada de uma hora para o almoço. Talvez alguém trabalhe num escritório e só veja a vida por uma janelinha, quadrada que deixa passar um pouco do sol.
Ah.. o Sol... a vida. A beleza de viver. O melhor é viver, não ser feliz. A vida como busca da felicidade. A vida como risco de ser feliz. Beleza. A paixão, a entrega. "Um samba tem que ter alguma coisa bonita beleza, alguma coisa que chora alguma que sente saudade (...) Porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não". Uma vida dedicada à paixão.
Saí do cinema e só pude olhar. Eu não podia e nem precisava falar. Acho que se tivesse alguém ali comigo eu quereria só um olhar, talvez um beijo. Um silencioso beijo. Vinícius trocou no máximo 10 palavras com o pai... Mas entendiam-se e amavam-se.
Do cinema até em casa fui falando um texto que, com certeza, escreveria quando me sentasse em casa, em frente ao computador. Mas não escrevi. Apenas estou aqui, ao som das teclas do meu computador e as vozes de meus pais, que frequentemente falam meu nome, e escrevo um outro texto, talvez. Trascevo emoções.
A minha vida e o meu ano revistos a partir de um filme. De uma vida e não de um fingimento. Finjo... Eu podia ser mais do que fui, eu sou mais do que fui. Co-var-dia. Mulher que nega... o poeta diz que carinho é bom. Mulher que nega carinho, mulher que nega a vida. Cabeças que negam viver. Temos medo de amar, medo de viver, de sofrer. Vai vai, vai,vai sofrer.. A voz de Vinícius é insistente. A vida só dá para quem se dá.
Eu podia fazer desse papel uma crônica de tantas coisas. Uma promessa rotineira de fim de ano: o ano que vem vai ser diferente, eu mudo, eu faço e aconteço. Mas é mais do que isso. É sentir que a vida é completa. Epifânia...
A beleza está em viver. Clichê? Talvez. Porém ouviram-se palmas no final do filme. Talvez a vida seja mesmo uma invenção. Eu quero uma invenção banhada em Vinícius, Clarice... Pessoas que estamos sempre re-descobrindo, re-conhecendo e re-vivendo. Invenção banhada em beleza.
A pior solidão é daquele que se fecha em si mesmo. Eu quero uma invenção banhada em pessoas... amigos. Em pessoas reconhecidas. Re-visitadas, re-descobertas.
Foi a voz de Chico quem me disse que talvez Vinícius não caberia em lugar nenhum no hoje...
O filme acabou, palmas...
2005
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Morte - ou aquela da foto que a segurava quando bebê
A princípio não parecia real. Era só um artifício para caracterizar a personagem principal de um romance. Ela andava pelo meio fio, um daqueles estreitos, tentando equilibrar-se. Como criança. A garagem. Vem a imagem de sua vó.
O lugar à mesa vazio, ou ocupado por uma outra pessoa qualquer, marcava a ausência. Dificil materializar a morte. Era uma falta, uma lacuna. Um lugar tão completamente outro sem ela. Andava pelo meio fio como criança, mas sentia-se adulta. Pela primeira vez adulta.
Adulta. Faltava. Aquela não era a mesma casa, não era a mesma cidade, a mesma rotina que por muitas vezes não quisera viver. Andava no meio fio e descobria o quanto amava esses momentos. Essas visitas, essa pessoa que agora era a ausência.
Lágrimas discretas. Um sentimento de.... um sentimento que não saberia explicar. Imagem do enterro. De seu semblante tranquilo. Nunca tinha entendido quando da morte falavam tranquilidade. Talvez agora entendia.
E podia continuar andando pelo meio fio. Mesmo com aquela ausência, que as poucos se transformava em saudades. Porque a sentia dentro de si. Algo de sua vó pulsava dentro dela e ela podia equilibrar-se novamente no meio fio...
janeiro de 2007
O lugar à mesa vazio, ou ocupado por uma outra pessoa qualquer, marcava a ausência. Dificil materializar a morte. Era uma falta, uma lacuna. Um lugar tão completamente outro sem ela. Andava pelo meio fio como criança, mas sentia-se adulta. Pela primeira vez adulta.
Adulta. Faltava. Aquela não era a mesma casa, não era a mesma cidade, a mesma rotina que por muitas vezes não quisera viver. Andava no meio fio e descobria o quanto amava esses momentos. Essas visitas, essa pessoa que agora era a ausência.
Lágrimas discretas. Um sentimento de.... um sentimento que não saberia explicar. Imagem do enterro. De seu semblante tranquilo. Nunca tinha entendido quando da morte falavam tranquilidade. Talvez agora entendia.
E podia continuar andando pelo meio fio. Mesmo com aquela ausência, que as poucos se transformava em saudades. Porque a sentia dentro de si. Algo de sua vó pulsava dentro dela e ela podia equilibrar-se novamente no meio fio...
janeiro de 2007
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Ponto de ônibus
Uma menina se aproxima, tem os seus 12 anos. Pessoas no ponto. Dentre elas um menino da mesma idade. Algo naquele rosto lhe chama a atenção:
Menina – Oi!
Menino – Oi!
Menina – Você está indo para o Colégio? (Na camiseta do menino está escrito: Colégio)
Menino – É, sim!
Menina (lendo um papel com nomes de ônibus) – Esse ônibus também serve! Não tá escrito aí.
Menino – Obrigado. (Sorri)
O ônibus chega e os dois entram conversando.
A Menina se aproxima, tem agora os seus 18 anos. Pessoas no ponto. Dentre elas um rosto conhecido.
O Menino se aproxima. Estica a mão em direção à Menina. Quer lhe perguntar novamente o nome do ônibus, com medo de que ela não repita a cena. Exita. Não consegue falar. O ônibus chega e a Menina parte.
(2005)
Menina – Oi!
Menino – Oi!
Menina – Você está indo para o Colégio? (Na camiseta do menino está escrito: Colégio)
Menino – É, sim!
Menina (lendo um papel com nomes de ônibus) – Esse ônibus também serve! Não tá escrito aí.
Menino – Obrigado. (Sorri)
O ônibus chega e os dois entram conversando.
A Menina se aproxima, tem agora os seus 18 anos. Pessoas no ponto. Dentre elas um rosto conhecido.
O Menino se aproxima. Estica a mão em direção à Menina. Quer lhe perguntar novamente o nome do ônibus, com medo de que ela não repita a cena. Exita. Não consegue falar. O ônibus chega e a Menina parte.
(2005)
O vendedor de sonhos
Era uma vez um menino
que vendia felicidade
sonhos de todos os tipos
primeiro pequenos,
depois grandes
O menino não aguentou
os sonhos se complicavam
Acabado tudo isso
seu sonho mesmo
não realizou
pois alegrar a todos
é impossível!
(1997 - o texto mais antigo que tenho guardado)
que vendia felicidade
sonhos de todos os tipos
primeiro pequenos,
depois grandes
O menino não aguentou
os sonhos se complicavam
Acabado tudo isso
seu sonho mesmo
não realizou
pois alegrar a todos
é impossível!
(1997 - o texto mais antigo que tenho guardado)
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Lá fora chovia
Chuva e mais nada. Apenas aquele barulho incessante que lembrava que atrás dele havia apenas o nada. Uma vastidão de nadas, acontecimentos que iam e vinham, como aquela chuva, e não permaneciam tempo suficiente para serem alguma coisa.
A chuva caia e a rua estava deserta. Apenas os seus cabelos molhados e seus pés descalços habitavam as calçadas. Seus olhos castanhos estremeciam a cada trovão: não tinha medo da chuva e sim do nada que havia por trás dela. E continuava a caminhar.
Mesmo sem saber por onde. Afinal já conhecia mesmo cada pedaço daquela rua. Passou por seu colégio, pela padaria, pelos becos escuros da certeza. Mas não encontrou nenhum algo. Parou frente à antiga casa de Seu Pessoa, que havia se mudado há poucos dias.
Dentro encontrou mais uma vez a vastidão do nada. E apenas um espelho. Parou. Olhou. Viu seus cabelos castanhos e encaracolados, viu seus olhos, sua barba que lhe cobria a face, sua estatura mediana, suas feições fortes, suas mãos grandes. Olhou-se no meio do nada.
Olhava-se. Não importavam mais as horas, os minutos e os segundos. Apenas se olhava. Perguntava-se se um dia isso faria sentido. A resposta não estava lá. Mas ele estava. Ele e o nada. Não. Não era ele que estava dentro do nada. Era o nada que estava dentro dele.
Pela sua cabeça um monte de tudos ou de algos passava. Como um filme de quem há muito não tem mais lembranças. Com o filme, uma vontade de chorar. Lá fora o silêncio da chuva caindo, lá dentro o de uma lágrima discreta. E o choro.
Porque todo aquele nada era também um monte de algos. E era um algo que se solidificava na imagem de um rosto. Mas não era um rosto muito nítido. Não. A sua imagem hesitava num sorriso pálido. E cada lágrima que escorria era um pedacinho daquele sorriso.
Sorriso febril. E a imagem refletida no espelho se misturava com aquele sorriso. E aquela voz que surgia da parede ou de um lugar qualquer da chuva. O vento trazia todas as palavras que já era tarde demais para falar. E uma gargalhada nervosa refez o silêncio e o nada.
Lá fora chovia...
(2004)
A chuva caia e a rua estava deserta. Apenas os seus cabelos molhados e seus pés descalços habitavam as calçadas. Seus olhos castanhos estremeciam a cada trovão: não tinha medo da chuva e sim do nada que havia por trás dela. E continuava a caminhar.
Mesmo sem saber por onde. Afinal já conhecia mesmo cada pedaço daquela rua. Passou por seu colégio, pela padaria, pelos becos escuros da certeza. Mas não encontrou nenhum algo. Parou frente à antiga casa de Seu Pessoa, que havia se mudado há poucos dias.
Dentro encontrou mais uma vez a vastidão do nada. E apenas um espelho. Parou. Olhou. Viu seus cabelos castanhos e encaracolados, viu seus olhos, sua barba que lhe cobria a face, sua estatura mediana, suas feições fortes, suas mãos grandes. Olhou-se no meio do nada.
Olhava-se. Não importavam mais as horas, os minutos e os segundos. Apenas se olhava. Perguntava-se se um dia isso faria sentido. A resposta não estava lá. Mas ele estava. Ele e o nada. Não. Não era ele que estava dentro do nada. Era o nada que estava dentro dele.
Pela sua cabeça um monte de tudos ou de algos passava. Como um filme de quem há muito não tem mais lembranças. Com o filme, uma vontade de chorar. Lá fora o silêncio da chuva caindo, lá dentro o de uma lágrima discreta. E o choro.
Porque todo aquele nada era também um monte de algos. E era um algo que se solidificava na imagem de um rosto. Mas não era um rosto muito nítido. Não. A sua imagem hesitava num sorriso pálido. E cada lágrima que escorria era um pedacinho daquele sorriso.
Sorriso febril. E a imagem refletida no espelho se misturava com aquele sorriso. E aquela voz que surgia da parede ou de um lugar qualquer da chuva. O vento trazia todas as palavras que já era tarde demais para falar. E uma gargalhada nervosa refez o silêncio e o nada.
Lá fora chovia...
(2004)
E continuou a chuva. Mas agora as gotas mudaram o seu gosto. Eram gotas de gostos novos. E de olhos novos. Abriu os olhos e estranhou. Não sabia se era a chuva, as gotas, o gosto ou os tais olhos. Mas estranhou. Mesmo assim, levantou. O caminho era o mesmo de sempre, a avenida tão movimentada quanto ontem. E as lágrimas da chuva continuavam a animá-la. Procurou encontrar o que de diferente se escondia naquele cenário tão próprio de seus textos e histórias.
Era como se acordasse de um sonho. E, ao abrir os olhos, encontrava menos. Menos motivos, menos motivações. Menos por-vir. Sentia-se flutuando, de nuvem em nuvem - ou gota em gota - no futuro. Acordara de um sonho, no futuro. E, apesar da chuva, as suas gotas tinham um gosto novo. E gotas-gosto-olhos-nuvens a faziam estranhar. Como é que era agora, no futuro? Entusiasmo e desilusões a arrebatavam. E o tédio gotejava, junto com a chuva-a-gosto. Tira gosto.
Fotografias e negativos passavam pela sua cabeça: "Eu não quero ser uma formiga", "Eu amo isso, sei que é o que eu quero fazer da minha vida". Pronto, fizera a faculdade. Seguira o teatro. Mas... e agora? Qual a sua garantia de não ser uma formiga? Qual o sabor do gosto das gotas para as formigas? Qual o sabor da vontade para as formigas? E o sabor do tédio? Sentia um formigamento nos membros. Uma voz lhe insistia: e agora?
E agora? As gotas não tinham mais o gosto de promessa. De espectativa, de antes. Elas tinham o gosto do depois.
E em meio as gotas-gosto de chuva, decidiu que tinha que inventar um novo futuro.
(início de 2009)
Era como se acordasse de um sonho. E, ao abrir os olhos, encontrava menos. Menos motivos, menos motivações. Menos por-vir. Sentia-se flutuando, de nuvem em nuvem - ou gota em gota - no futuro. Acordara de um sonho, no futuro. E, apesar da chuva, as suas gotas tinham um gosto novo. E gotas-gosto-olhos-nuvens a faziam estranhar. Como é que era agora, no futuro? Entusiasmo e desilusões a arrebatavam. E o tédio gotejava, junto com a chuva-a-gosto. Tira gosto.
Fotografias e negativos passavam pela sua cabeça: "Eu não quero ser uma formiga", "Eu amo isso, sei que é o que eu quero fazer da minha vida". Pronto, fizera a faculdade. Seguira o teatro. Mas... e agora? Qual a sua garantia de não ser uma formiga? Qual o sabor do gosto das gotas para as formigas? Qual o sabor da vontade para as formigas? E o sabor do tédio? Sentia um formigamento nos membros. Uma voz lhe insistia: e agora?
E agora? As gotas não tinham mais o gosto de promessa. De espectativa, de antes. Elas tinham o gosto do depois.
E em meio as gotas-gosto de chuva, decidiu que tinha que inventar um novo futuro.
(início de 2009)
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