sexta-feira, 23 de novembro de 2012
fuga
Fugi. Vesti a calça azul que estava jogada em cima da cadeira e aquela blusa laranja mesmo. Sem combinar. Deixei as luzes do meu quarto acesas, pra não suspeitarem de minha ausência. Abri devagarinho as persianas e as janelas e descobri as vantagens de morar no térreo. Subi a rua com pressa. Escuro. E nem percebi que a essa hora da noite já não tinha mais metro. Então resolvi ir seguindo. Andando pela paulista a noite. De verdade, dessa vez, anônima e invisível, a rua vazia. De vez em quando alguém passava. Continuei andando, sem muito rumo, por dessa vez fugi sem fazer planos. Tinha pensado em deixar o celular em casa, mas não consegui. Pensei que seria bom deixá-lo ligado para ver quem me procuraria Continuei andando, com um pouco de medo, por estar muito escuro. O dia me encontrou na rodoviária. Parti em direção a santos. E quando me dei conta, meus pés estavam dentro da água. E só aí me apareceu um sorriso. E lá eu nem percebi que a dor de garganta que me incomodava ontem, já não estava mais. Já não estava ali o excesso de coisas não ditas. Quis sentar-me para escrever. Iniciei com as mesmas palavras de sempre. O mesmo jogo de tentar escrever e não conseguir. Tentar rir e não conseguir. Tentar chorar... Desisti de escrever. Era melhor só olhar para o mar. E imaginar, saboreando quase maliciosamente, como cada um descobriria que eu fugi. E pensei em ligar para alguém e desisti. Era melhor esperar. Comprei uma água de coco. Um milho. Fugi deixando um trabalho salvo no meu computador. Fugi deixando as férias remuneradas. Fugi deixando promessas. Fugi sentindo falta de promessas. Fugi com o celular ligado, não para atender ninguém, mas por curiosidade. Ele tocou algumas vezes. E eu nem fui ver quem era. Me interessava saber que ele tocava. Mas o quem não. Porque eu fugi sem contar para ninguém. Paradoxalmente postei no facebook;.
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
Minha mãe tem duas irmãs de sangue. Mas ela tem uma terceira irmã. E aí me faltam as palavras. Para uma terceira irmã da minha mãe talvez eu tenha tido pouco contato. Mas eu me lembro de um pão de pizza que ela fazia para as nossas partidas de buraco. Foi assim que a minha prima aprendeu a jogar buraco. E a gente dava uns choques de vez em quando e ela dizia que era bom, que as nossas energias combinavam. E aí morava um grande carinho, talvez nem tanto anunciado. E ela que me levou para um grande sonho da minha adolescência: um reveillon na Paulista. E ela que me acalmou no pré-vestibular. Ela que me deu um olhinho que eu carrego até hoje do lado das máscaras do teatro.
Até que... As reticências tomaram conta. E eu por medo, por essa minha estranha mania de me afastar das coisas com as quais eu não sei lidar, me afastei. E quantas vezes sonhei com ela abrindo os olhos de novo. Sonhei com um abraço. E acreditei naquela história de que era melhor guardar a imagem das pessoas em seus melhores momentos.
Me desculpe.
Eu queria que você soubesse do imenso carinho que eu tenho. Admiração mesmo, pelas suas respostas, seu sorriso.
7 de novembro de 2012
Até que... As reticências tomaram conta. E eu por medo, por essa minha estranha mania de me afastar das coisas com as quais eu não sei lidar, me afastei. E quantas vezes sonhei com ela abrindo os olhos de novo. Sonhei com um abraço. E acreditei naquela história de que era melhor guardar a imagem das pessoas em seus melhores momentos.
Me desculpe.
Eu queria que você soubesse do imenso carinho que eu tenho. Admiração mesmo, pelas suas respostas, seu sorriso.
7 de novembro de 2012
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
sabe aquela expressão: para o mundo que eu quero descer. pois é, parei. parei por um dia. por um dia me escondi dentro de mim. mascando olho com séries bobas, jogos, besteiras da internet. por um dia eu quase me anulei. e não estudei teatro. não dei aula. não fiz nada do que pode ser considerado útil. vivi de inutilidades. e o dia quase chegando ao fim, resolvi escrever um rascunho. sem querer que as palavras fossem bonitas. uma vontade dolorida de chorar. assim, desafogar um peso. me desafogar. me esconder dentro de mim. péra mundo, pára mundo, gira mundo. que eu quero chorar. que eu quero sorrir. que esse rio não tá dando pé. me visto de todos os motivos para suportar. uma vontade dolorida de viver. por que é que a gente tem que trabalhar tanto até se transformar em máquina, ou manchar a alma de tédio. uma vontade dolorida de declarar uma liberdade que ainda demora 58 dias úteis. porque o pára um pouquinho, descansa um pouquinho parece não funcionar.
vontade de transbordar essa rotina. de não caber mais dentro dela. de não domar mais esse leão todos os dias, ao passar aquela porta. não quero me domar.
vontade de transbordar essa rotina. de não caber mais dentro dela. de não domar mais esse leão todos os dias, ao passar aquela porta. não quero me domar.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Bolinha de papel
E insistiu em falar dele. Acreditou que dessa vez encontraria as tais palavras bonitas. Acreditou e pode ser até que se decepcionasse ao longo do texto. Mas ao som de Arnaldo Antunes quase arriscou-se a escrever em primeira pessoa. Riu-se. Quis encontrar palavras tão puras e belas como as da música: "te fazer feliz dos pés à ponta do nariz".
"Da orelha até o fim do mundo"? Outros lhe respondiam Pa-la-vras. Estranhou. Já tinha as dito alguma vez. Até seguido depois e quase apesar delas. Brincara com as letras em despedidas. Mas algo era maior do que aqueles desenhos. Descobria o que o mundo inteiro parecia já ter descoberto? Quis acreditar que era um achado só seu.
Aqui-agora. Havia um pulsar. Uma vertigem. Verdade. E lhe invadia em um sorriso. Vertigem. Podia então sorrir e seguir. (Já se sentira inteira seguindo apesar das palavras). Não quis. Des-palavreou-se. Negou os sentidos das letras.
Quis só olhar e dar as mãos. Hesitou, mas sentia-se "apaixonada pela primeira vez na vida". E pela primeira vez na vida não era adjunto adverbial de tempo. Era adjunto adnominal de sentimento. E havia um pulsar. Aqui-agora.
Pois é, decepcionou-se com as palavras. Não eram puras e nem bonitas. Nem falam do medo. Do sorriso. Do pulsar. Da vertigem. Nem da vontade que ele coubesse em seus braços e transbordasse.
Quis resumir em um abraço ou viver o tal abraço e transbordar.
Palavras. Despalavreou-se. As letras não pulsavam. Mas quisera que fossem bonitas. Decepcionou-se. (Riu-se. Quase em rubrica ainda queria tanto dizê-lo!)
Arrancou a folha de papel do caderno. Bolinha. Jogou no lixo.
(Sobrou um silêncio recheado de pulsares, sorrisos e verdades)
terça-feira, 21 de agosto de 2012
entre Ela e Lori
chovia. por pura falta de palavras, começou este texto como tantos outros textos pretéritos. não só por falta de criatividade, mas porque queria que chorasse a chuva que por ela chovesse. e chovia. ao fundo, mesmo com a visibilidade restrita - não se sabe se pelos olhos ardidos vermelhos ou pela cinza da chuva - ela podia vislumbrar o mar.
mas ela não podia escrever sobre a mulher que de madrugada entrava no mar e tinha cabelos de náufrago. já estava escrito antes dela. se bem que... entrar no mar na chuva não ocorrera a Lori. e seria tão ela, tão Ela. e mas do que correr um perigo nunca antes feito por um ser humano, ia desafiar Lori. podia fazer o que todos já antes haviam feito, mas não a amante de Ulisses.
resolveu contentar-se em caminhar na chuva. as gotas escorrendo-lhe, grossas, pelo seu corpo nu coberto de roupas. a porta inevitável instalou-se à sua frente. porta que lhe dividia. entre a sexta e a segunda, ou entre a segunda e a sexta. respirou. e entrou.
respirou. e entrou.
respirou. e entrou.
respirou. e entrou.
respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou.
não conseguiu gritar. não pode sair. podia entrar, todos os dias. entrar.
respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou.
não conseguiu entrar. não conseguiu escrever.
não conseguiu.
chegou então onde queria chegar. a junção do adverbio de negação NÃO, com o tal do verbo CONSEGUIR.
qual a melhor metáfora para falar sobre fracasso?
talvez fosse melhor recomeçar o texto com outra palavra. quando chovia, a natureza carregava em si uma realização. a chuva lavava o seu corpo nu coberto por roupas. caminhar era piegas mesmo, enquanto andava, ela movimentava dentro dela a dinâmica pensar-limpar.
restava-lhe esperar, ansiosamente uma visita ao mar. quem sabe ele ainda estava no mesmo lugar e ela pudesse brincar de Lóri?
mas ela não podia escrever sobre a mulher que de madrugada entrava no mar e tinha cabelos de náufrago. já estava escrito antes dela. se bem que... entrar no mar na chuva não ocorrera a Lori. e seria tão ela, tão Ela. e mas do que correr um perigo nunca antes feito por um ser humano, ia desafiar Lori. podia fazer o que todos já antes haviam feito, mas não a amante de Ulisses.
resolveu contentar-se em caminhar na chuva. as gotas escorrendo-lhe, grossas, pelo seu corpo nu coberto de roupas. a porta inevitável instalou-se à sua frente. porta que lhe dividia. entre a sexta e a segunda, ou entre a segunda e a sexta. respirou. e entrou.
respirou. e entrou.
respirou. e entrou.
respirou. e entrou.
respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou.
não conseguiu gritar. não pode sair. podia entrar, todos os dias. entrar.
respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou.
não conseguiu entrar. não conseguiu escrever.
não conseguiu.
chegou então onde queria chegar. a junção do adverbio de negação NÃO, com o tal do verbo CONSEGUIR.
qual a melhor metáfora para falar sobre fracasso?
talvez fosse melhor recomeçar o texto com outra palavra. quando chovia, a natureza carregava em si uma realização. a chuva lavava o seu corpo nu coberto por roupas. caminhar era piegas mesmo, enquanto andava, ela movimentava dentro dela a dinâmica pensar-limpar.
restava-lhe esperar, ansiosamente uma visita ao mar. quem sabe ele ainda estava no mesmo lugar e ela pudesse brincar de Lóri?
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
das coisas que a vida tem
a vida tem dessas mesmo. o ônibus tem o piso brilhante, que é pra gente lembrar de cantigas de infância. eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, só pro meu, só pro meu amor passar.
a vida tem dessas mesmo. uma semana de espera. e te pedem para ler esperando godot.
a vida tem dessas mesmo. assim, de repente, já é domingo a noite. e você, que não quer se lembrar da real ocupação, que lhe bate na porta junto com a tão famosa melodia "fantástica", descobre que é dia do ator.
a vida tem dessas mesmo. uma semana de espera. e te pedem para ler esperando godot.
a vida tem dessas mesmo. assim, de repente, já é domingo a noite. e você, que não quer se lembrar da real ocupação, que lhe bate na porta junto com a tão famosa melodia "fantástica", descobre que é dia do ator.
quarta-feira, 30 de maio de 2012
folha em branco
A menina olha-se no espelho. Como diversas vezes já tinha se olhado. Lá
estava, cercada pelas paredes brancas, tentando encontrar no espelho aquilo que
chamava EU – que nós chamaríamos ELA. Havia um quê de estranheza naquela imagem
refletida no espelho. Imagem que não dizia sobre os seus desejos, seus medos e
as suas dores.
Terminava de se arrumar. Não eram
seus aqueles traços ao redor do nariz. Nossa, como o seu nariz era engraçado,
nunca tinha percebido aquele osso! Não que fosse muito saltado, mas ele estava
ali, pendendo um pouco para o lado direito – ou esquerdo, afinal as imagens no
espelho são invertidas.
Riu-se porque lembrou de Pirandello. Lembrou do pobre – pobre? – homem
que descobriu-se um, nenhum e cem mil depois de perceber que tinha também traços
não uniformes no rosto. Mas afinal, era isso mesmo que fazia, parafraseava
pessoas quando escrevia.
Perguntou-se porque o rosto. Epifania. Seu rosto era uma página em branco. Podia ver os
seus dedos, as suas mãos, seus braços, seus ombros, toda a sua barriga, seus
seios, seu umbigo, as suas pernas e os seus pés. Mas quando tentava
materializar o seu rosto, fora do alcance de um espelho, via-se diante de um
vazio.
O rosto que tantos usavam para definir a personalidade de alguém, não lhe
pertencia. Quis escondê-lo enquanto andava na rua. Irritava-a todos poderem
vê-lo, perceber as suas alterações de humor, menos ela. Todos o liam, menos
ela. Interpretavam-no. E quantos não falavam dos seu sorriso, que só existia
para ela na frente de um espelho, momento em que não parecia ser seu.
Página em branco.
Passou a mão tentando completar algum traço. Tentou cuidar de
sua imagem. Saiu de casa. Andou por entre as ruas de todo o dia. “Seu Pessoa,
quanto tempo!”. Pensou no que o sorriso dele lia sobre os seus olhos. Quis lhe
perguntar, mas escondeu-se atrás das pessoas na rua.
Lembrou-se da música rolando à luz da lua cheia – há sempre algo do dia
anterior que nos volta a tona enquanto seguimos nosso caminho. Tão bonita a
lua! E pessoas, tantas pessoas em meio de burburinhos inaudíveis. Elas também
interpretaram o seu rosto? Tinham feito tantas perguntas: Quem é você?, Me fale um
pouco sobre você. Riu-se. Riu-se. Será que aquelas pessoas também não
poderiam dizer quem era olhando o seu rosto? Incômodo. Como é que ela ia
responder SOU?
Chegou à sala de aula. Novamente incômodo. Outra vez quis esconder o seu
rosto. Será que podia de novo parafresear Pirandello e parar na frente da porta
e estranhar o EU – ou o dito ELA – que encontraria nos olhos das pessoas que
ali estavam? Riu-se novamente por lembrar daqueles rostos que lhe diziam: Você é paciente.
Vertigem. Nunca fora paciente. Não que fosse grande coisa atribuirem-lhe
paciência. Nem que isso determinasse quem era. Mas em algo tão simples e tão
banal como tal afirmação repetida por todos ali, não havia nem um pingo de EU –
ELA. Vertigem. A sua amiga de infância gargalhava quando ela repetia o que tais
pessoas lhe diziam: Você é a pessoa mais
impaciente que eu conheço.
Começou a pensar nos diversos eu’s que conhecia. Sentia-se uma com cada
uma daquelas pessoas. Cobrou-se a resposta: Quem
é você?. Já haviam lhe dito da sua tal essência. Do quanto era inteira.
Vertigem. Quis procurar as tais respostas. Eu
sou bla, bla, bla, bla, bla. Pronto. Construiu com palavras a tal máscara
“quem sou eu”.
Quis então brincar de ver os outros. Começou a jogar. Baile de máscaras.
Achou engraçado ver que haviam tantas máscaras construídas com palavras ali. E
mais ainda ouvir as pessoas falando de si. Elas tentavam controlar a página em
branco do seu rosto com palavras. Bonito para o seu nariz, amoroso para a sua
boca. Começou a ver letras nos brancos dos olhos, nos pelos das sombrancelhas e
nas pontas das orelhas.
O que? As máscaras que ele
construíra era diferente da que ela via nele. Começou, então, a construir ela a
máscara das pessoas. E elas se diferenciavam tanto das máscaras que as pessoas
se escolhiam. Que, a propósito, eram totalmente diversas das outras que os
terceiros lhe atribuiam. Epifania. Vertigem. É assim também comigo?
Teve medo de
agir. Sentiu-se presa às suas ações. Sabia que a liam e a classificavam por
qualquer passo para o lado que dava. Sabia que haviam várias máscaras sobre o
seu rosto. Construídas por palavras, por ações e pelas consciências dos outros.
Começou a, freneticamente, tentar tirá-las. Até mesmo a máscara que ela
atribuira a si, causava muita coceira.
E, depois que tirasse todos aqueles rostos, o que lhe sobraria? Quem sou eu? Qual a minha essência? Qual a
tal palavra que pode me dizer quem sou?. Nome. O nome sou eu? Mas haviam tantos com o mesmo nome e outros tantos
que escreviam o seu nome errado (haviam até aqueles que cismavam que escreviam
certo, e que era ela não sabia escrever o seu próprio nome).
Quis construir qualquer coisa que lhe dissesse que era inteira. Mas
começou a olhar à sua volta e duvidar do nome das coisas. De todos os nomes já
pré-estabelecidos. E se a mesa se
chamasse cadeira? Ou melhor, se se chamasse peteridófilas? (Sempre gostou
daquelas palavras engraçadas de biologia, mas nunca gostou de aplicá-las onde
estavam).
E se ela não tivesse palavras? E se ela pudesse não ser inteira?
Vertigem. Sentiu-se por um instante pisando em nada. Tendo que pensar
em cada passo seu, para não despencar. E se ela não fosse paciente, se não
fosse impaciente, se não fosse bonita, se não fosse feia, nem inteligente? O
que sobrava? Se ela resolvesse que ela não tinha nenhuma palavra que a
segurasse e a determinasse?
Ela pensou que se resolvesse ser, por exemplo, inteligente, ela teria que
sê-lo sempre. E como poderia prever qualquer forma de ser sempre igual? E não
poderia ser diferente nenhum momento? Teve de novo medo de agir e de agir
diferente do que era. Mas ERA?
Algo pulsava e ela existia. Ela existia mas não era uma palavra. Teve
medo disso. Como Rontequim (tudo bem, permitiu-se parafrasear Sartre) ao
descobrir que as coisas eram maiores que as palavras, ou melhor, que existiam
sem as palavras. E que a existência era absoluta e absurda. Porque não podia
ser controlada e nem definida com a priori’s.
Porque existiam? Não havia razões de ser e nem mesmo necessidade para
existir. Não podia explicar que ela existia para ser boa ou má e representar
tal papel na vida. Estava lá e nem mesmo era inteira. Tentou de novo controlar
tudo isso com linguagem. Quis dormir e esquecer-se.
Liberdade? Era então livre? Não!
Quis construir uma escultura para si. Quem sabe fixar-se uma forma qualquer.
Não pôde. A existência era, enfim, absurda. Deus! Deus talvez pudesse explicar
os seus atos. Ou a sociedade. Sim, ela era porque.... porque tinha que ser
assim na sociedade e não poderia fazer de outro jeito. Porque... porque.. Quis ser má-fé. Quer dizer que os outros
poderiam justificar as suas ações.
Vertigem. Não sou, estou. Não
havia no fundo de si qualquer máscara verdadeira. Qualquer palavra final que
batesse o martelo. Não havia como encontrar o que verdadeiramente era, porque
verdadeiramente não era nada. E ao mesmo tempo, verdadeiramente, podia ser
qualquer coisa. Ou melhor, era potencialmente tudo.
Verdadeiramente? Seria verdadeiro
dizer qualquer palavra de si, já que ela não seria para sempre essa palavra?
Estava livre das fórmulas. E agora?
Dormir. Novamente tentar fugir de si. Não podia. Seu coração lembrava-se
constantemente de que ela existia. TUM-TUM TUM-TUM TUM-TUM.
Potência. Engraçado pensar em si como potência. Pensar em si como algo
que só existe no presente e que se constrói e se destrói a cada passo. E saber
que era só ela que era responsável por si. Tinha medo de ser livre.
Sem nem mesmo ter percebido, já estava longe da sala de aula. Entrara no
metrô. E começou a olhar para aqueles anônimos. Tentou brincar com eles. De
repente o OUTRO lhe incomodou. Porque também era livre. E a sua liberdade
confrontava-se com a da pessoa que estava do seu lado no metrô: ela não podia
deitar-se no banco.
Novamente as máscaras. Os outros também eram livres e também podiam
brincar com ela. Ditar-lhe quem ela era. O baile de máscaras ainda existia,
mesmo ela sendo só potência. E o outro ser só potência. Era quase uma luta para
ver quem construia primeiro a máscara de palavras para o outro. Para controlar
o outro, antes que o outro a controlasse. Era difícil assim, ser tudo aquilo
que quisera ser. Já que tinha alguém ou muitos alguéns tão livres como ela.
Como era então responder, em meio à essa luta: quem era? O que era estar
“nuzinhos como minhoca”. Era resumir-se ao presente e às ações? Acreditou que
sim. Que quando agia construia para si uma EU ou melhor várias ELAS já que cada
um interpretava diferentemente as suas ações. Ou várias EU’s e várias ELAS’s já
que era presente e não fixava-se.
Descobriu, depois de tudo, que só existia se o outro a visse. Caso
contrário, era completamente sozinha. Mas que não podia ditar para o outro o
seu um (escolhido ou ilusoriamente acreditado).
Que os outros lhe faziam cem mil, de acordo com as leituras que tinham dela. É, o inferno são os outros! Mas que
talvez fosse mesmo nenhuma, já que fixar-se seria morrer em vida.
Era potência, mas era controlada, uma vez que todos eram livres e
potências pulsantes. E o baile de máscaras continuava. A realidade não lhe
deixava ser toda a sua potência. Entendeu, então, porque era necessário
suicidar-se filosoficamente. Porque não podia continuar sendo uma (ou fingindo
ser uma) depois de saber que pulsava.
Depois de saber, que por mais que pré-estabelecesse algo, não poderia
sê-lo simplesmente. Depois de saber que o ser era um pedaço do que queria ser e
uns pedaços do que os outros liam. Depois de saber que era livre, mas que
esbarrava com outras liberdades.
E saber que sua potência encontrava-se com um mundo real, onde bombas
caiam, apesar de sua liberdade. Onde estava fadada a um cotidiano absurdo. A
uma falta de linguagem absurda. A absurdas pessoas tentando escravizarem-se.
Era nesessário optar pela consciência.
Então lhe pediram que escrevesse sobre o absurdo. Lhe pediram que falasse
sobre Sartre, Camus, Becket, Rontequim, Godot, mal entendido, Paul, suicídio
filosófico, Sísifo, Stelle, mortos sem sepultura, náusea, peste, Pirandello,
Garcin, Marrie e máscaras. Pensou em escrever sobre o que tinha ficado nela de
cada um desses autores. Uma vez que ela vivia num baile de máscaras, ações,
verdades e tentativas de palavras e inteirezas. Tinha sido pulsante lendo Um, nenhum, cem mil. Já que estava, e
não era.
Mas ela não
conseguia descrever-se em primeira pessoa. É, só podia ser afastando-se de si. Só podia falar palavras de si, se olhasse
no espelho e visse a página em branco preenchida – mesmo que não parecesse com
o EU. Quis então tirar de contexto e citar Affonso Romano de Sant’Anna: “Página
em branco onde eu escrevo, único espaço de verdade que me resta”.
Pensou na analogia que faria entre a página em branco e o ser enquanto
potência. O rosto como página em branco e a máscara construída com palavras –
por si e pelos outros. As palavras e as ações que não voltam. Pela atribuição
de significados e pelo preencher de essências que fixavam uma forma morta.
Pensou até em resumir: Página em branco onde me escrevem – e eu me
escrevo, único espaço de verdade que me resta. Ou restava.
Achou que seria melhor suicidar-se filosoficamente. Porque palavras eram
tentativas de controle da existência, que por ser absurda e absoluta não podia
ser só palavras. Nem mesmo os seres podiam ser só palavras. Como se comunicar
então? Ou como escrever palavras em um papel e ter a certeza de que vão ler o
que ela quis dizer?
Era melhor deixar as páginas em branco.
Introdução de um trabalho entregue para história do teatro. Ele foi seguido por uma capa e folhas em branco. Ao final das folhas, um epitáfio:
EPITÁFIO: “Página em branco
onde eu escrevo. Único espaço de verdade que me resta”[1]. Página em branco onde me
escrevem – e eu me escrevo, único espaço de verdade que me resta. Ou restava.
[1]
SANT’ANNA, Affonso Romano de. A implosão
da mentira.
sexta-feira, 25 de maio de 2012
como cinco irmãos.
mãos dadas. lhe haviam dito uma vez que os amigos eram irmãos que a gente escolhia. talvez tivesse achado um pouco piegas. mas olhou discretamente para trás e descobriu que a amizade era assim como imaginava que talvez fossem dois irmãos. ou mais irmãos. e foi diretamente pensar em cinco irmãos que ela tinha. agora assim, meio espalhados nessa tal de vida adulta. ela, no meio de engenheiros e médicos. ela meio assim artista (tentando ser o que sabe-se lá o que é um artista). ela e a outra, também artista.
lembrou-se como foi o caminho até lá. das tais das voltas que o mundo dá. e não só as literais dos movimentos da terra em volta do sol e ao redor de si mesma (desses, por mais que tentasse não conseguia lembrar os nomes).
esses irmãos nasceram assim de uma época na qual ela teimava em não fazer escova. da mesma maneira que hoje continuava sendo chato esperar o cabelo secar com o secador, para não dormir de cabelo molhado. tarefa que acaba de abandonar para escrever.
ela perdida, eles ali. meio tímidos se aproximaram (ela e eles).
lhe perguntaram se podiam riscar no gesso de seu braço quebrado.
ela deixou.
lhe convidaram a sentar. ela se aproximou.
lhe sorriram. ela abraçou.
parecia então o tal do final feliz. talvez fosse apenas o começo.
escolhas. ideias. diferenças.
duas artistas, duas engenheiras, uma contadora, um médico.
as artistas fizeram ballet. as engenheiras fizeram poli. a contadora casou. e o médico sumiu.
a atriz foi ensaiar aos domingos. a radialista tem os finais de semana loucos. uma engenheira foi fazer mestrado, a outra estagiar na construção. a contadora foi se deliciar na culinária. o médico? sumiu!
e dessas escolhas surgiram caminhos e curvas. e outras escolhas.
e nem sempre tudo foi fácil.
a atriz, mais conhecida como eu lírico desse texto, as vezes sentiu algumas mudanças. (com certeza as outras também sentiram, mas o eu lírico desse texto não é onipresente). chorou algumas escolhas, negou alguns desencontros. achou que era demais.
e de repente se viu ali. no meio deles. sem timidez e sem dúvidas. certa do como era bom sentí-los por perto. e do como, depois dessas voltas, os sentia mais perto.
elas se encontram no próximo sábado. ele respondeu um email
nada apaga os anos de convivência diária.
nada apaga o cuidado que queria ter com cada um.
nada diminui o amor e o carinho.
nem mesmos as diferenças sustentam os rótulos.
são confidentes como dois irmãos. ou cinco.
lembrou-se como foi o caminho até lá. das tais das voltas que o mundo dá. e não só as literais dos movimentos da terra em volta do sol e ao redor de si mesma (desses, por mais que tentasse não conseguia lembrar os nomes).
esses irmãos nasceram assim de uma época na qual ela teimava em não fazer escova. da mesma maneira que hoje continuava sendo chato esperar o cabelo secar com o secador, para não dormir de cabelo molhado. tarefa que acaba de abandonar para escrever.
ela perdida, eles ali. meio tímidos se aproximaram (ela e eles).
lhe perguntaram se podiam riscar no gesso de seu braço quebrado.
ela deixou.
lhe convidaram a sentar. ela se aproximou.
lhe sorriram. ela abraçou.
parecia então o tal do final feliz. talvez fosse apenas o começo.
escolhas. ideias. diferenças.
duas artistas, duas engenheiras, uma contadora, um médico.
as artistas fizeram ballet. as engenheiras fizeram poli. a contadora casou. e o médico sumiu.
a atriz foi ensaiar aos domingos. a radialista tem os finais de semana loucos. uma engenheira foi fazer mestrado, a outra estagiar na construção. a contadora foi se deliciar na culinária. o médico? sumiu!
e dessas escolhas surgiram caminhos e curvas. e outras escolhas.
e nem sempre tudo foi fácil.
a atriz, mais conhecida como eu lírico desse texto, as vezes sentiu algumas mudanças. (com certeza as outras também sentiram, mas o eu lírico desse texto não é onipresente). chorou algumas escolhas, negou alguns desencontros. achou que era demais.
e de repente se viu ali. no meio deles. sem timidez e sem dúvidas. certa do como era bom sentí-los por perto. e do como, depois dessas voltas, os sentia mais perto.
elas se encontram no próximo sábado. ele respondeu um email
nada apaga os anos de convivência diária.
nada apaga o cuidado que queria ter com cada um.
nada diminui o amor e o carinho.
nem mesmos as diferenças sustentam os rótulos.
são confidentes como dois irmãos. ou cinco.
domingo, 13 de maio de 2012
E ele me diz que gosta de mim quando eu sou eu, mesmo de tpm e, com as consequentes lágrimas nos olhos. E o amor no dia a dia é assim. Perde a sua pretensão de ser perfeito. E passa a ser pretensiosamente concreto, real. Colorido de detalhes, aquarelado com momentos, carinhos, cariño... Giz de cera que se despedaça em sentimentos, sensações. Porque eu até posso tentar ser perfeita para ele, mas todas as tentativas, me levam a quem eu sou. Assim, desse jeito, menina, menininha, que eu sou só do seu lado (que eu nego até a morte). Sem armas, desarmada em cócegas, perdendo a concentração... Ele eu deixo me conhecer frágil e pequena. Ele eu respeito, eu quero do meu lado, eu admiro demais.
EU AMO.
EU AMO.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
E lá foi ela, voltar a alguma página em branco para desengasgar as imagens e as palavras amontoadas na sua garganta. Ontem elas dançaram até que ela sentisse as pernas bambearem. Até que ela dançasse por cima de suas pernas, de suas angústias e retomasse o controle das suas pernas. E bambeava também nas palavras e nas frases. Parecia não ter esperança de que algo saísse bonito. Escrever era doído, assim como era esse cotidiano, essa "vidadegentegrande".
Não tinha palavra melhor que essa: frustrada. E a frustração carregava um desengano, que aumentava a frustração, que aumentava o desengano. Queria pedir desculpas e dizer que não havia se formado para isso. E como não acreditava, não sentia tesão, parece que tinha se feito um nó, um nó que aumentava a cada volta da bola de neve, a cada sentido des-sentido.
Não por acaso a sua porta de entrada para Arnaldo Antunes era Socorro. Não sentir para ela era a maior dor. E lá, infelizmente ela não sentia. Não conseguia compreender como não se sentia empolgada nem mesmo em participar de uma greve, de uma organização de classe. Com que pretensão inconsciente ela não se sentia dessa classe. Ela era professora. Ou pelo menos estava professora (e professora de artes, sim, por mais que não quisesse). E não tinha como negar esse desencanto. Desencanto que ia pesando em suas costas, cumulativamente mais curvada. Eu sua voz, que se acumulava nas bolas entaladas em sua garganta. Na falta de seus textos. inconsciente Passava as aulas pensando nas palavras que ouvira de sua última diretora. O que havia se perdido no caminho de são bernardo a são paulo? Por que as suas aulas, diferentes das de outros professores, segundo a diretora, se tornara igual à de todos (ou a dos piores)? Por que as palavras lhe faltavam e não conseguia escrever? Por que a vertigem lhe tomara conta, suavemente, levando os seus pés,, suas pernas, seu estômago, suas crenças e suas aulas?
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