quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sobre as eternidades

Ando pensando sobre os relacionamentos. Tentando entendê-los, compreendê-los. Talvez devesse sentí-los. Talvez seja por setí-los demais. Durante toda a minha adolescência eu esperei por um namorado, procurei um conto de fadas no tom dos amores e paixões. O que talvez eu não percebia era que eu vivia um conto de fadas com relação à amizade. Pessoas que foram essenciais para a minha formação como pessoa. E naquela época eu acreditava que os amores até podiam não ser eternos, mas os amigos eram.
O dia do amigo era o meu melhor dia do ano, dia de longas cartinhas. Este ano, no dia do amigo eu li um post interessante por algum lugar da internet. Haviam dois tipos de amigos, o fita cassete, que quando vc ouve parace que nada mudou e que o tempo não passou e aquele que marca um dado momento da sua vida. As pessoas costumam julgar mal esse tipo de amigo. Costumam dizer que amizade verdadeira é para o resto da vida e que se for apenas de um momento, foi um passatempo.
Eu discordo. Tenho amizades infinitas, cúmplices de um dia da minha vida. Pessoas que eu julguei eternas e presentes para sempre, que se afastaram do meu caminho. Que foram cúmplices indispensáveis, inseparáveis. E que já por isso foram belíssimas. Mas que hoje não dividem mais as mesmas risadas, as mesmas compreensões, o mesmo silêncio de significados. E por isso eu já chorei, já tentei ser quem não era. Me desesperei, me perdi. E hoje compreendo a beleza de nos deixarmos ir. Talvez assim, devagarinho, como um perfume que se desapega da pele. Porque eterno não é o que dura pra sempre. Eterno é o que me marca para sempre.
Esquecê-los jamais. Porque são eternos demais.

2010

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Presente, presente, presente - ou Abraço

Corda. Ela pulava: presente, presente, presente. Cada vez que seus pés encontavam o chão. E na sua cabeca as palavras ressoavam: passado, passado, passado. Toda a vez que os seus pés deixavam o chao.

Calava-se porque nao sabia o que dizer. Ria-se. E por um instante acreditou que poderia ser feliz. Que poderia ser para sempre.

Olhou pela ultima vez aquele abraco. Última? Maldisse a efemeridade. Sera que aquele instante bastaria?

(2007)

um antigo que virou #MDRAMA

A menina subia para dormir. O menino gritou o seu nome. Ela virou-se.

Ele - Boa noite!

Ela sorriu

(2007)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

As águas do mar - Clarice Lispector

O mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões. Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra. São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é um mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar. Seu corpo se consola com sua própria exigüidade em relação à vastidão do mar porque é a exigüidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exigüidade que a torna pobre e livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo, mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal – a alegria é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta, mesmo sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda – e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que oposição pode ser um pedido. O caminho lento aumenta sua coragem secreta. E de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo – espantada de pé, fertilizada. Agora o frio se transforma em frígido. Avançando ela abre o mar pelo meio. Já não precisa da coragem, agora, já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol, quase imediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias de água, bebe em goles grandes, bons. E era isso que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora ela está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe pelo sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo sol, as ondas suaves lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto. Mergulha de novo, de novo bebe, mais água, agora sem sofreguidão pois não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, e ela mergulha de novo; está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica, pois.Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação. Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas – ah nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas – mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe opõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera. E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.

(porque às vezes precisamos do outro e das palavras do outro)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Um começo

O espelho. Quantos contos e historias comecam com uma mulher que se olha no espelho e tenta reconhcer a sua face? Talvez muitos, mas olhava no espelho e nao se importava com o comeco dos romances. Engracado como as coisas que aconteciam parece que vinham so para caracterizar a heroina do romance. Talvez estivesse mais para anti-heroina. Olhava no espelho, apenas.

A mao no rosto. Cabelos presos, embaracados. Pela primeira vez nao tentava achar-se num rosto que nao parecia o seu. O contrario. Tentava procurar o que estava diferente. Porque sabia que tinha algo diferente. Sabia que seus olhos nao eram os mesmos, apesar de insistirem em repetir o mesmo castanho de sempre, as vezes um pouco esverdeados.

Por que descrevera-se mulher e nao menina? Por que as suas maos eram outras? Ah! a tempestade.

2007
Uma garoa fina. Ah! Como esperava uma tempestade! O espelho não mais estava embaçado. Mas ela revisitava antigos sentidos. Ria-se. Fragmentos. Pós-moderno, pós-dramático, pós unidade de ação, pós ação. Restava apenas uma catarse epifânica. A energia potencial pulsava. Ah! Como desejava uma tempestade! Revisitava antigos sentidos. Coisas lhe voltavam como lembranças - novamente Pirandello – lembranças que nem pareciam suas. Ainda tentava relacionar-se com as palavras. E talvez com as ações. Revisitava antigos sentidos, mas seus olhos não eram os mesmos. E nem as suas mãos. Brincava com efemeridades. E pulsava...

2007

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Posso me sentar ao teu lado?

Uma música qualquer rolava ao fundo. Mas parecia inaudível, misturava-se com aquele burburinho de falas. De palavras. Tanta gente. Algumas risadas. Observava apenas. Alguns casais de namorados. Uns meninos que falavam alto.

Burburinhos. Tanta gente. Continuava observando. No canto do bar havia um grupo de rapazes, que olhavam em vão para umas meninas da mesa ao lado. Um casal: uma lágrima escorria pelo rosto dela e ele apenas observava. Tantas palavras.

Burburinhos. Assustou-se com o garçom, lhe oferecendo mais uma cerveja. Tantas palavras. Tanta falta de significados. Tanta gente. Perguntou-se mais uma vez que música era aquela que estava tocando. Mas de fato isso não faria a menor importância. Resolveu tentar observar as palavras ditas à sua volta. Viu-se detida em imagens.

Burburinhos, algumas palavras. O relógio. Meia noite e meia. Sem mais. Definitivamente o silêncio sempre quisera dizer tantas coisas. Levantou-se. Hesitou, mas seguiu até a outra mesa de canto. Ele olhou-a. E ela: "Posso me sentar ao teu lado e segurar a tua mão?"

2007

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Para o meu amor...

Riu-se. Um dia tinha desacreditado que podia viver isso. Talvez por ter tanto desejado e esperado. Esperou ser feliz, ouvir palavras sussurradas ao pé do ouvido. Desejou um beijo, um abraço. Sem saber o que era isso o que desacreditava. Riu-se por descobrir que o amor era mais. Era mais do que só os risos, as danças, os beijos, as certezas.

Entre as suas mãos dadas às do outro existia um mundo dado. Um mundo de perguntas e dúvidas, de respostas e certezas. De risos e lágrimas. De beijos e de despedidas. De telefonemas esperados, queridos, inesperados. De costumes e medos. De momentos inesquecíveis, alguns até que queria esquecer. De imprevistos.

E de se entregar. E de se entregar corria o risco de mostrar e de ver todos os seus lados, os seus medos, o seu melhor e o seu pior. E foi aí que ela descobriu que era um constante risco, mesmo com quase dois anos, mesmo com a beleza que ela tinha achado na tranquilidade. O risco de viver, de dividir, o risco de ser sem nenhuma máscara. E aquele rico era uma escolha, era também uma possibilidade de ser feliz.

E o amor ia assim, brincando com ela, ela brincando com o amor. Entre rabiscos, pinturas, giz de cera... Colorindo-se em um acordo noturno sobre os cobertores. Um almoço gostoso no domingo. Num saber não estar mais sozinha. Por ter forças. É claro, também nos beijos, abraços, momentos de êxtase. Mas acima de tudo nas mãos dadas. Onde dois mundos dão as mãos.

O amor se constrói talvez nos paradoxos.E por ser assim, nem sempre certo, nem sempre seguro. Por ser assim, risco. Ela sorria, e era tão doce sorrir.

2010