O relógio apita: são
seis horas da manhã. “Droga”, ela pensa, “só mais cinco
minutos”. Ah! Esses famosos cinco minutos. E mais cinco, e mais
cinco. Meio em transe, dorme e acorda, até que se assusta: “Já
está tarde”. Durante o café da manhã, lê o jornal. Lê as
primeiras notícias, mas se engasga na matéria cobre maneiras de
investir o seu tempo. É melhor apressar-se. Escova os dentes e cospe
a espuma, como se cuspisse junto com ela, seu sono.
Se arruma, se apruma,
se veste. E guarda seus sonhos e suas vontades lá numa gavetinha
escondida dentro de si. Se prende no uniforme. E assim, inicia mais
um dia de trabalho. Digita, o telefone toca algumas vezes. E inventa
mil desculpas ao telefone, porque o seu chefe está lá dentro e não
quer ser incomodado. Talvez esteja lendo o jornal, jogando paciência.
Ou... quem sabe esteja com a Ritinha. Acha que é melhor não
conjecturar muito. Volta ao trabalho.
Um e-mail inesperado.
Fica feliz. Será que usa aquela lingerie? Ah! Esse maldito telefone:
“Alô, me desculpe, o Sr. Alberto está em reunião, anoto o seu
nome e ele já te retorna”. Será que usar a lingerie, deitar-se
com ele assim de primeira, é se oferecer muito? “Porra, cadê a
Marcinha que não entra no msn?”
Chega o seu Alfredo,
“Aquele chato”. Vamos lá, recepcioná-lo. Paradoxalmente, é
obrigada a se oferecer para ele, oferecer seu melhor sorriso, sua
simpatia (o que é quase como ter que oferecer o seu corpo todo). E
ele lá, com as mesmas gracinhas de sempre. “Velho chato”.
Finalmente ele se foi.
“Só” faltam mais cinco horas de trabalho e o escritório está
tão calmo. Tantos relatórios, e-mails. E assim, um marasmo lhe
assoma, um cansaço daquilo tão feito, refeito, repetido.
Lentamente, digita até cair no sono.
(texto de um processo que conta com Fernanda Moreno e Flávia Coelho)
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