segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Bolinha de papel


E insistiu em falar dele. Acreditou que dessa vez encontraria as tais palavras bonitas. Acreditou e pode ser até que se decepcionasse ao longo do texto. Mas ao som de Arnaldo Antunes quase arriscou-se a escrever em primeira pessoa. Riu-se. Quis encontrar palavras tão puras e belas como as da música: "te fazer feliz dos pés à ponta do nariz".
"Da orelha até o fim do mundo"? Outros lhe respondiam Pa-la-vras. Estranhou. Já tinha as dito alguma vez. Até seguido depois e quase apesar delas. Brincara com as letras em despedidas. Mas algo era maior do que aqueles desenhos. Descobria o que o mundo inteiro parecia já ter descoberto? Quis acreditar que era um achado só seu.
Aqui-agora. Havia um pulsar. Uma vertigem. Verdade. E lhe invadia em um sorriso. Vertigem. Podia então sorrir e seguir. (Já se sentira inteira seguindo apesar das palavras). Não quis. Des-palavreou-se. Negou os sentidos das letras.
Quis só olhar e dar as mãos. Hesitou, mas sentia-se "apaixonada pela primeira vez na vida". E pela primeira vez na vida não era adjunto adverbial de tempo. Era adjunto adnominal de sentimento. E havia um pulsar. Aqui-agora.
Pois é, decepcionou-se com as palavras. Não eram puras e nem bonitas. Nem falam do medo. Do sorriso. Do pulsar. Da vertigem. Nem da vontade que ele coubesse em seus braços e transbordasse.
Quis resumir em um abraço ou viver o tal abraço e transbordar.
Palavras. Despalavreou-se. As letras não pulsavam. Mas quisera que fossem bonitas. Decepcionou-se. (Riu-se. Quase em rubrica ainda queria tanto dizê-lo!)
Arrancou a folha de papel do caderno. Bolinha. Jogou no lixo.








(Sobrou um silêncio recheado de pulsares, sorrisos e verdades)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

entre Ela e Lori

chovia. por pura falta de palavras, começou este texto como tantos outros textos pretéritos. não só por falta de criatividade, mas porque queria que chorasse a chuva que por ela chovesse. e chovia. ao fundo, mesmo com a visibilidade restrita - não se sabe se pelos olhos ardidos vermelhos ou pela cinza da chuva - ela podia vislumbrar o mar.

mas ela não podia escrever sobre a mulher que de madrugada entrava no mar e tinha cabelos de náufrago. já estava escrito antes dela. se bem que... entrar no mar na chuva não ocorrera a Lori. e seria tão ela, tão Ela. e mas do que correr um perigo nunca antes feito por um ser humano, ia desafiar Lori. podia fazer o que todos já antes haviam feito, mas não a amante de Ulisses.

resolveu contentar-se em caminhar na chuva. as gotas escorrendo-lhe, grossas, pelo seu corpo nu coberto de roupas. a porta inevitável instalou-se à sua frente. porta que lhe dividia. entre a sexta e a segunda, ou entre a segunda e a sexta. respirou. e entrou.

respirou. e entrou.

respirou. e entrou.

respirou. e entrou.

respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou.

não conseguiu gritar. não pode sair. podia entrar, todos os dias. entrar.

respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou. respirou. entrou.

não conseguiu entrar. não conseguiu escrever.

não conseguiu.

chegou então onde queria chegar. a junção do adverbio de negação NÃO, com o tal do verbo CONSEGUIR.

qual a melhor metáfora para falar sobre fracasso?

talvez fosse melhor recomeçar o texto com outra palavra. quando chovia, a natureza carregava em si uma realização. a chuva lavava o seu corpo nu coberto por roupas. caminhar era piegas mesmo, enquanto andava, ela movimentava dentro dela a dinâmica pensar-limpar.

restava-lhe esperar, ansiosamente uma visita ao mar. quem sabe ele ainda estava no mesmo lugar e ela pudesse brincar de Lóri?

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

das coisas que a vida tem

a vida tem dessas mesmo. o ônibus tem o piso brilhante, que é pra gente lembrar de cantigas de infância. eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, só pro meu, só pro meu amor passar.

a vida tem dessas mesmo. uma semana de espera. e te pedem para ler esperando godot.

a vida tem dessas mesmo. assim, de repente, já é domingo a noite. e você, que não quer se lembrar da real ocupação, que lhe bate na porta junto com a tão famosa melodia "fantástica", descobre que é dia do ator.